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O Estado da Indústria: Ruben Avelar, Sons of a Cobbler

O Estado da Indústria: Ruben Avelar, Sons of a Cobbler

13 Jan, 2025

Entrevista com Ruben Avelar


Desde o início de 2023, o setor de calçado a nível internacional deu sinais claros de abrandamento. Na sua opinião, a que se deveu isso?
Como é já apanágio desta indústria, sempre que há alguma de crise e mercados chave, os setores têxtil e calçado sentem quebras quase imediatas. Neste caso em particular, considero que a quebra já se inicia em 2022 com a invasão da Rússia à Ucrânia. Estamos a falar diretamente de um dos principais mercados das nossas exportações, a Rússia e indiretamente dos nossos dois principais mercados, a Alemanha e a França que tinham nos mercados Russo, Polaco e Ucraniano uma quota altíssima de destino de calçado que produziam no nosso país. Com a quebra da Rússia e da Ucrânia e com o abrandamento abrupto do mercado Polaco, muitos grupos de calçado Alemães e Franceses colapsaram, provocando, desta forma, o tal abrandamento e quebra de volumes de venda no nosso país.

Outro fator importante prende-se com a alteração de hábitos de consumo por parte dos consumidores na sua generalidade. Após o período de COVID e com o receio de que a qualquer momento pudéssemos ficar “reféns” do lobby farmacêutico, os produtos alimentares, sobretudo experiências gastronómicas, e o turismo de ‘escapadinhas’ de fim-de-semana vieram substituir a compra de um par de sapatos na lista de prioridades das pessoas. Atendendo a que o poder de compra não tem acompanhado os sucessivos aumentos do custo de vida, sobra muito pouco para tudo o resto, Acresce que com o avento do online, os consumidores podem comprar o que querem em qualquer parte do universo, ao preço que quiserem e sem ligar ao famoso ‘Made In’.

Portugal começa a perder competitividade face a outros países produtores pelo simples fato de pertencermos a uma UE cada vez mais desalinhada e desajustada no que diz respeito ás suas políticas socioeconómicas.

Já são percetíveis sinais de retoma?
Sim, ainda que muito ténues, noto já alguns sinais de retoma. Os mercados estão muito reticentes pelo menos até à tomada de posse do novo governo americano presidido por Donald Trum,  e consequentes medidas económicas e comerciais que  por ele serão apresentadas. Acredito que o mercado norte-americano poderá ser a «tábua de salvação» do setor do calçado em Portugal. Se não conseguirmos alavancar este mercado nos próximos dois anos, sinto que iremos perder uma grande percentagem de fabricantes, pois depender da Europa não será solução. Para conseguirmos abordar novos mercados, teremos que ganhar competitividade ou então assumirmos de uma vez que queremos posicionar-nos no segmento do luxo, que até ver é dominado e bem pelos italianos, que são extremamente cuidadosos nessa abordagem. Em Portugal foi-se apostando de forma utópica, agarrados à ideia de que os fundos comunitários iriam permitir criar fábricas totalmente tecnológicas, verdadeiras  ‘naves espaciais’ a produzir milhares de pares por dia, de forma a permitir-nos entrar em todas as frentes, apresentando ao mercado produtos de todos os segmentos e tipologias, dos 10 aos 100€, sem qualquer critério ou  posicionamento. Por essa via, fomos ignorando outros mercados produtores com uma massa crítica muito acima da nossa.

Estamos a atravessar uma fase em que o consumidor ganha cada vez mais força e tem cada vez menos respeito pelo ‘Made In’, pelo que o mais importante é a trilogia preço/design/conforto e isso hoje encontra-se em todo o lado, à distância de um clique.

Creio que, se optarmos finalmente pela segmentação do nosso setor, acho que ainda conseguimos sobreviver e fidelizar clientes americanos, assim como tentar penetrar em mercados emergentes como os EAU. Como estamos a trabalhar neste momento, ausentes de estratégia e rumo, honestamente acho que só alguns se irão conseguir salvar nos próximos anos.

Que expectativas tem para o ano de 2025?
 Pessoalmente tenho esperança que este ano seja positivo, ainda mais positivo do que 2024 que foi o nosso melhor ano ao nível da faturação e volume de vendas.
Aida assim, infelizmente e apesar dos resultados brutos serem interessantes, vivemos completamente sufocados pelas exigências financeiras diárias a que somos sujeitos. Tendo consciência de tudo isto,  decidimos, particularmente, que teremos que nos reestruturar para mantermos o nosso nível de qualidade e excelência de serviço, ajustando a nossa equipa de produção à estratégia comercial de forma a selecionarmos os clientes que nos darão garantias. Somos obrigados, muitas vezes, a fazer pagamento a 30 dias aos nossos fervedores, quando os clientes demoram cindo ou seis meses a assumir os seus compromissos. O setor como um todo deveria unir-se e exigir aos clientes comparticipação nos custos do processo produtivo ou, em alternativa, pagamentos a pronto. Infelizmente, face à falta de sentido corporativo, acho quase impossível der o conseguirmos.

O que devem as empresas portuguesas fazer para aproveitar a expectável recuperação dos principais mercados internacionais?
Devemos todos, a começar pela nossa Associação, reunir esforços e assentar o nosso setor em 3 premissas essenciais. Em primeiro lugar, segmentar a nossa produção na gama média/alta, com pequenas e médias produções, bem produzidas, com um serviço de excelência e com o foco na satisfação do cliente

Depois, fazermos um esforço consertado entre todos os produtores para começarmos a exigir aos mercados que dividam o risco das suas encomendas com os fabricantes. É impossível para qualquer empresário avançar milhares de euros durante meses, para poder trabalhar todos os dias até receber pagamento dos clientes sem ficar descapitalizado! É impossível sobrevivermos se não fizermos este esforço. Mas terá que ser feito pela grande maioria e aqui chamo a campo a APICCAPS, que, pela sua reputação e força associativa, terá que ser o dinamizador desta ação.

Por fim, importa deixarmos de ser tão individualistas e passarmos a ter um espírito corporativo! O empresário português tem que deixar de querer agarrar o mundo com as duas mãos e, de uma vez por todas, sentirmos o dever de partilhar conhecimento e clientes e projetos com outros empresários da região ou país que, ao servirem bem os clientes que nós lhes apresentamos, vão ajudar-nos a ganhar mais força e a fidelizar cada vez mais os clientes ao nosso país. O que tem acontecido nos últimos anos é que vemos fábricas de calçado a aceitarem encomendas de qualquer tipologia de produto, preparando o seu lay-out para fabricarem 5 construções diferentes, com preços médios entre 15-45€. Óbvio que tendo em conta os volumes que produzem serão competitivos em preço, até porque abdicam praticamente da margem comercial só para conseguirem encher os planos de produção, mas, atendendo á especificidade de algumas construções, acabam por não conseguir atingir o ponto de excelência em nenhuma das construções, oferecendo aos clientes um serviço médio/sofrível, com atrasos enormes nas entregas, quando, facilmente, poderiam especializar-se em 1 ou 2 construções específicas e tornar-se uma fábrica modelo para os clientes, podendo praticar margens muito mais interessantes e, em vez de aceitar todos os projetos, direcionava os clientes para fábricas especializadas nas outras construções que não faz, ajudando o mercado português a fidelizar mais clientes e aumentar os volumes. Mais uma vez, acho muito difícil conseguirmos atingir esta premissa pois, se em mais de 20 anos que participo em atividades internacionais nunca conseguimos criar um ‘cluster’ português nas feiras de calçado, imaginem termos a capacidade e ‘humildade’ para ceder ou apresentar clientes nossos a outros fabricantes, ainda que não concorrentes diretos de segmento ou tipologia de produto…Infelizmente não creio!

-Quais são os nossos principais argumentos competitivos?
O nosso argumento mais forte neste momento é o de sempre: a capacidade inata que temos de interpretar e servir bem os clientes, estando ao seu lado como um parceiro e não como um fornecedor e o nosso know-how adquirido geracionalmente.  Isso para já ninguém nos tira! E é em uníssono que praticamente todos os clientes o dizem. Nós temos uma capacidade enorme para interpretar, produzir ou reproduzir e mesmo criar tudo o que os clientes pedem e de uma forma profissional. Não podemos é perder este dom…é o que nos possibilita estar ainda na corrida!


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