Ser intemporal. Resistir à passagem do tempo como se o segundo apenas mudasse. Parece irreal, ilusório, mas é aquilo pelo que ansiamos. Nós, humanos. Todos os dias. Em coletivo ou individualmente, procuramos resistir ao tempo, eternizarmo-nos.
Em que tempo vivemos? De que forma é que a pandemia influenciou os nossos tempos e as nossas vivências? Numa indústria marcada por temporadas, por temporizadores e cronómetros de novas coleções, como de adaptam criadores e marcas? Será a intemporalidade a resposta ou sempre foi e não percebemos, envolvidos que estávamos entre ponteiros de relógio?
“Vamos experimentando sempre, vamos sempre alterando pequenas coisas. Isto cria intemporalidade nas peças”, diz o criador Filipe Faísca. Por outro lado, Eduarda Abbondanza acredita que tudo depende da forma como olhamos a questão “depende sempre de que espectro da Moda estejamos a falar. A Moda, enquanto disciplina, é tanto intemporal no sentido em que é transversal ao tempo, como tem uma inerente temporalidade por responder ao contexto e à sociedade em que vive”.
Na verdade, os últimos meses obrigaram a repensar calendários e estratégias. Muitas marcas optaram por revisitar clássicos; peças icónicas que se mantém ao longo dos anos. Quanto às peças produzidas pela indústria de Moda, haverão sempre aquelas que serão reativas ao presente, que serão statements do tempo que vivemos e das circunstâncias que adivinhamos ser o futuro. No entanto, acredito que seja inevitável, e uma clara consequência do período que estamos a atravessar, voltarmos a lidar com uma série de peças que têm uma base de construção mais elaborada. Quando falo neste tipo de complexidade de design, falo de casacos, de smokings: peças que nos fazem falta no guarda-roupa e que queremos mesmo ter”.
“São peças com as quais estabelecemos uma relação emocional tão grande que, quando elas se perdem ou danificam, nos causa uma dor de alma”.
Mas outras questões se levanta. “Os tecidos eram feitos para durar mais e serem intemporais; tinham maior durabilidade. Hoje os tecidos são mais fracos, com piores cores e menos resistentes. É uma consequência do fast fashion que rema contra a intemporalidade”, diz Filipe Faísca. “Para a intemporalidade, é essencial termos tecidos mais resistentes e que durem mais tempo”.
O que nos espera o futuro? Seja amanhã, ou daqui a um ano ou dois. Estaremos perante uma imposição de intemporalidade? “Não acredito que a intemporalidade seja o futuro. Vai-se trabalhar mais nesse sentido, mas a criatividade vai ter de estar lá sempre. Vamos ter de estar sempre a experimentar. Não acredito que as peças vão ser as mesmas, mas que há um segmento da coleção que se vai ser maior do que o que já eram e que são clássicas e estão misturadas com peças da coleção”, acredita Filipe Faísca.
No entanto, o designer acredita “tudo está a evoluir para não haja um desperdício tão grande, um aglomerado tão grande de roupa. E aí sim, os consumidores vão optar por peças chaves e intemporais”. No entanto, continua Filipe, o exercício dos criadores terá de ser mais elaborado e pensado: de que forma um pormenor se pode tornar um clássico?”.
Por outro lado, a Presidente da ModaLisboa acredita que a consciência na hora da compra leve os compradores a preferirem peças de autor, intemporais e mais elaboradoras. “Estas peças implicam uma seleção mais cuidada na compra, porque são um investimento, mas também são as peças que poderão ter uma grande longevidade, como já tiveram no passado. São peças com as quais estabelecemos uma relação emocional tão grande que, quando elas se perdem ou danificam, nos causa uma dor de alma. Este tipo de relação foi-se perdendo, e deverá agora voltar”
Sobre a foto: Primeira Portuguese Soul, corria o ano de 2010. Pela lente de Frederico Martins e styling de Fernando Bastos Pereira.