Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.
“Os projetos BioShoes4All e FAIST são exemplos paradigmáticos da transformação em curso na indústria”
O PRR foi formalmente apresentado em 2021. Desde esse momento, na Europa, registaram-se alterações profundas, em virtude - nomeadamente - de um cenário de guerra que se alastra no tempo. Os principais objetivos do PRR em 2021 permanecem idênticos?
Os objetivos fundamentais do PRR — reforçar a resiliência, acelerar as transições climática e digital, e promover a coesão social e territorial — continuam plenamente válidos. No entanto, a realidade geopolítica e macroeconómica alterou-se profundamente desde 2021. A invasão da Ucrânia, a crise energética, o aumento dos custos de financiamento e as pressões sobre as cadeias de abastecimento obrigaram a uma reavaliação de prioridades em toda a Europa.
De que forma o PRR pode transformar o nosso país?
O PRR pode representar mais do que um plano de investimento: é uma alavanca de transformação estrutural. Falamos de um programa nacional de grande escala, que articula investimento público com reformas em áreas essenciais, na sequência das recomendações do semestre europeu, formuladas pela Comissão Europeia, de forma coerente, vinculativa e com horizontes de longo prazo.
Estamos a falar de mudanças como: a digitalização transversal do Estado; a descarbonização acelerada dos transportes, da indústria e dos edifícios; a requalificação significativa de trabalhadores, em particular nas áreas STEAM, o reforço da ciência e da inovação aplicada; promoção da competitividade, em particular através das agendas mobilizadoras, a expansão da rede de cuidados e do acesso à habitação, do sistema nacional de saúde e das respostas socias.
O PRR não resolverá todos os problemas estruturais do país, mas pode criar as condições para que as próximas gerações partam de uma base mais qualificada, conectada, eficiente e resiliente. A verdadeira transformação ocorrerá se soubermos manter e ampliar o que está a ser feito.
Qual será o contributo do PRR para a melhoria da competitividade e da produtividade das empresas?
A produtividade é, há décadas, o principal bloqueio ao crescimento sustentado da economia portuguesa. O PRR atua diretamente sobre os seus determinantes: investimento em tecnologia e automação; valorização das qualificações e competências digitais; cooperação entre empresas, sistema científico e tecnológico e centros de I&D; reforço da capitalização empresarial através de instrumentos de capital e quase capital, com destaque para o capital de risco investimentos em projetos empresariais inovadores; melhoria das condições de financiamento empresarial, com garantia pública e reorganização de cadeias de valor com maior incorporação nacional.
A competitividade decorre não apenas do custo, mas da capacidade de inovação, de diferenciação e de escalar soluções tecnologicamente robustas. O PRR está a ajudar a redesenhar o tecido empresarial português nesse sentido.
De que maneira o PRR acompanhará e medirá o sucesso dessas iniciativas e o impacto no nosso país?
A governação do PRR assenta em mecanismos de acompanhamento que combinam rastreabilidade e transparência, o que representa um avanço significativo face a ciclos anteriores de financiamento europeu.
Além do cumprimento das metas e marcos contratualizados com a Comissão Europeia — condição obrigatória para os desembolsos — há um conjunto de dispositivos complementares: Portal da Transparência, onde é estão registados todos os investimentos aprovados no âmbito do PRR; Sítio da Internet da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, com informação sobre os fornecedores, PRR por regiões, avisos, entre outras informações, auditorias e controlos da Inspeção-Geral de Finanças, Tribunal de Contas e Comissão Europeia; e, de forma inédita, a Comissão Nacional de Acompanhamento, que assegura um escrutínio técnico, independente e sistemático, com publicação de relatórios disponibilizados no seu sítio na Internet.
O acompanhamento do impacto vai além dos outputs físicos. O que não se mede, não se melhora — e no PRR, a medição é parte integrante da sua implementação. É essencial que se construa, de forma urgente, uma agenda de avaliação do PRR, essencial apra percebermos os resultados e os impactos. Está em curso o desenvolvimento de indicadores transversais de impacto económico, social e ambiental: como o aumento do VAB por setor, a intensidade de I&D, o número de qualificações obtidas, ou as emissões evitadas.
Destaco, ainda, a Internet das Coisas (IoT) e sensores inteligentes: produção de calçado técnico com sensores embutidos que medem pressão, impacto e temperatura, com aplicações na área da saúde, desporto e defesa. Além disso, uma palavra para os ecossistemas colaborativos: parcerias com o CTCP – Centro Tecnológico do Calçado de Portugal, instituições como o Politécnico do Porto, a Universidade do Minho e o Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos Funcionais e Inteligentes (CeNTI).
O desafio será garantir que estes instrumentos são utilizados com a mesma ambição transformadora — e que se constrói uma política pública orientada para o impacto, e não apenas para a execução.