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Entrevista Pedro Dominguinhos

Entrevista Pedro Dominguinhos

26 Mai, 2025

Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.
“Os projetos BioShoes4All e FAIST são exemplos paradigmáticos da transformação em curso na indústria”


Pedro Dominguinhos visitou recentemente o setor de calçado, que tem em curso dois grandes projetos no âmbito do PRR. O Jornal da APICCAPS conversou com o Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.

O PRR foi formalmente apresentado em 2021. Desde esse momento, na Europa, registaram-se alterações profundas, em virtude - nomeadamente - de um cenário de guerra que se alastra no tempo. Os principais objetivos do PRR em 2021 permanecem idênticos?
Os objetivos fundamentais do PRR — reforçar a resiliência, acelerar as transições climática e digital, e promover a coesão social e territorial — continuam plenamente válidos. No entanto, a realidade geopolítica e macroeconómica alterou-se profundamente desde 2021. A invasão da Ucrânia, a crise energética, o aumento dos custos de financiamento e as pressões sobre as cadeias de abastecimento obrigaram a uma reavaliação de prioridades em toda a Europa.

Fruto disso, foram criados dois programas – REPowerEU e STEP. O primeiro para responder à crise energética e o segundo para reforçar a capacidade produtiva e a competitividade da Europa nas áreas das tecnologias digitais e inovação de tecnologia profunda, que inclui inteligência artificial, tecnologias quânticas e conectividade avançada, das tecnologias limpas e eficientes em termos de recursos, incluindo tecnologias de captura e armazenamento de carbono e bombas de calor, e Biotecnologias.

Em Portugal, a reprogramação do PRR aprovada em 2023 foi a resposta a esse novo contexto, incluindo um reforço financeiro relevante, passando o envelope total para 22.216 milhões de euros. Permitiu o reforço da autonomia estratégica em áreas críticas como a energia e a indústria, criando margens de resposta para mitigar os efeitos da inflação, com reforço financeiro de alguns investimentos. Assim, a estrutura matricial do PRR manteve-se, mas os instrumentos foram adaptados com pragmatismo.

Já a reprogramação aprovada recentemente teve como objetivo fundamental a mitigação de riscos, com remoção de alguns investimentos que se tornavam impossíveis de concretizar, alterações de prazos, redução de ambição noutros investimentos e inclusão ou reforço de outros projetos, mantendo o volume financeiro global.

De que forma o PRR pode transformar o nosso país?
O PRR pode representar mais do que um plano de investimento: é uma alavanca de transformação estrutural. Falamos de um programa nacional de grande escala, que articula investimento público com reformas em áreas essenciais, na sequência das recomendações do semestre europeu, formuladas pela Comissão Europeia, de forma coerente, vinculativa e com horizontes de longo prazo.
Estamos a falar de mudanças como: a digitalização transversal do Estado; a descarbonização acelerada dos transportes, da indústria e dos edifícios; a requalificação significativa de trabalhadores, em particular nas áreas STEAM, o reforço da ciência e da inovação aplicada; promoção da competitividade, em particular através das agendas mobilizadoras, a expansão da rede de cuidados e do acesso à habitação, do sistema nacional de saúde e das respostas socias.
O PRR não resolverá todos os problemas estruturais do país, mas pode criar as condições para que as próximas gerações partam de uma base mais qualificada, conectada, eficiente e resiliente. A verdadeira transformação ocorrerá se soubermos manter e ampliar o que está a ser feito.

Qual será o contributo do PRR para a melhoria da competitividade e da produtividade das empresas?
A produtividade é, há décadas, o principal bloqueio ao crescimento sustentado da economia portuguesa. O PRR atua diretamente sobre os seus determinantes: investimento em tecnologia e automação; valorização das qualificações e competências digitais; cooperação entre empresas, sistema científico e tecnológico e centros de I&D; reforço da capitalização empresarial através de instrumentos de capital e quase capital, com destaque para o capital de risco investimentos em projetos empresariais inovadores; melhoria das condições de financiamento empresarial, com garantia pública e reorganização de cadeias de valor com maior incorporação nacional.

Com mais de 6 mil milhões de euros dirigidos ao setor empresarial, o PRR está a criar condições para que empresas de diferentes setores possam: desenvolver novos produtos e serviços com maior valor acrescentado; melhorar processos com recurso a IA, fabricação aditiva, robótica e cloud computing; reforçar dos sistemas internos de inovação; aumentar a cooperação com as entidades do sistema científico e tecnológico; internacionalizar de forma mais qualificada e sustentável. 

Não devemos negligenciar os potenciais ganhos em termos de redução de custos de contexto, que resultam da transformação digital do Estado, também apoiado pelo PRR, em particular na Segurança Social e na Justiça Económica
A competitividade decorre não apenas do custo, mas da capacidade de inovação, de diferenciação e de escalar soluções tecnologicamente robustas. O PRR está a ajudar a redesenhar o tecido empresarial português nesse sentido.

De que maneira o PRR acompanhará e medirá o sucesso dessas iniciativas e o impacto no nosso país?

A governação do PRR assenta em mecanismos de acompanhamento que combinam rastreabilidade e transparência, o que representa um avanço significativo face a ciclos anteriores de financiamento europeu.
Além do cumprimento das metas e marcos contratualizados com a Comissão Europeia — condição obrigatória para os desembolsos — há um conjunto de dispositivos complementares: Portal da Transparência, onde é estão registados todos os investimentos aprovados no âmbito do PRR; Sítio da Internet da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, com informação sobre os fornecedores, PRR por regiões, avisos, entre outras informações, auditorias e controlos da Inspeção-Geral de Finanças, Tribunal de Contas e Comissão Europeia; e, de forma inédita, a Comissão Nacional de Acompanhamento, que assegura um escrutínio técnico, independente e sistemático, com publicação de relatórios disponibilizados no seu sítio na Internet.
O acompanhamento do impacto vai além dos outputs físicos. O que não se mede, não se melhora — e no PRR, a medição é parte integrante da sua implementação. É essencial que se construa, de forma urgente, uma agenda de avaliação do PRR, essencial apra percebermos os resultados e os impactos. Está em curso o desenvolvimento de indicadores transversais de impacto económico, social e ambiental: como o aumento do VAB por setor, a intensidade de I&D, o número de qualificações obtidas, ou as emissões evitadas.

Visitou recentemente o setor de calçado, que tem em curso dois grandes projetos no âmbito do PRR. Quais as inovações que encontrou que mais o surpreenderam?
A indústria portuguesa do calçado é há muito reconhecida pela sua capacidade exportadora, mas o que encontrei recentemente foi algo ainda mais notável: uma verdadeira revolução silenciosa em curso, ancorada na inovação, sustentabilidade e digitalização, em boa parte impulsionada pelo PRR.

Os projetos BioShoes4All e FAIST são exemplos paradigmáticos dessa transformação. Envolvendo consórcios com dezenas de empresas, centros tecnológicos e instituições de ensino superior, representam investimentos estruturantes na modernização do setor.

As inovações e práticas que mais me surpreenderam foram materiais sustentáveis e circulares: utilização de fibras naturais como linho, cânhamo e cortiça, peles curtidas com extratos vegetais (sem crómio), espumas de poliuretano com origem em óleos reciclados, e solas com compósitos biodegradáveis. Além disso, surpreendeu-me os Gémeos digitais e simulações avançadas: desenvolvimento virtual de protótipos com recurso a IA e machine learning, permitindo otimizar ergonomia, resistência e pegada ecológica — reduzindo em mais de 40% os custos e tempo de desenvolvimento de novos modelos.

A Automação flexível e robótica colaborativa também foram surpreendentes, com a implementação de células robotizadas para colagem, costura e corte a laser — aumentando a produtividade e reduzindo o desperdício.
Destaco, ainda, a Internet das Coisas (IoT) e sensores inteligentes: produção de calçado técnico com sensores embutidos que medem pressão, impacto e temperatura, com aplicações na área da saúde, desporto e defesa. Além disso, uma palavra para os ecossistemas colaborativos: parcerias com o CTCP – Centro Tecnológico do Calçado de Portugal, instituições como o Politécnico do Porto, a Universidade do Minho e o Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos Funcionais e Inteligentes (CeNTI).

Por último, ressalvo a formação e requalificação: criação de “academias internas” nas empresas e cursos especializados em design sustentável, engenharia de materiais e transformação digital, contribuindo para a qualificação de mais de 1500 trabalhadores.

Estes exemplos mostram como o PRR está a permitir à indústria tradicional redefinir a sua proposta de valor, reposicionar-se em mercados exigentes e assegurar a sua sustentabilidade económica, ambiental e social. Um verdadeiro caso de sucesso na articulação entre política pública, inovação e internacionalização.

O PRR caminha, a passos largos, para o seu fim. Que novos instrumentos terá o nosso país à disposição para alavancar a economia portuguesa?
O PRR termina em 2026, mas não é o fim da política de investimento público com base em fundos europeus. Entre os principais instrumentos, muitos deles em marcha, destacam-se: o Portugal 2030, com 23 mil milhões de euros para transição climática, competitividade, qualificações, coesão e qualificações; o InvestEU e os instrumentos do Banco Português de Fomento, com soluções de financiamento misto; e uma maior integração em agendas europeias estratégicas, como o Net Zero Industry Act ou a Estratégia Europeia para a Inteligência Artificial, o ReArm Europe ou o Digital Europe.
O desafio será garantir que estes instrumentos são utilizados com a mesma ambição transformadora — e que se constrói uma política pública orientada para o impacto, e não apenas para a execução.


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