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Alfredo Jorge Moreira: Setor do calçado tem contrariado Velhos do Restelo

Alfredo Jorge Moreira: Setor do calçado tem contrariado Velhos do Restelo

15 Fev, 2024

Entrevista com Alfredo Jorge Moreira


Depois de mais de quatro décadas dedicadas à APICCAPS e ao setor do calçado, onde desempenhou diversas funções associativas, Alfredo Jorge Moreira, tem uma visão privilegiada da evolução do setor de calçado em Portugal.

Defende que o setor contrariou os «Velhos do Restelo» que “anunciaram, em diferentes momentos, o fim da indústria”. Considera, no entanto, que o setor - para permanecer na vanguarda -deve prosseguir com a estratégia delineada: “produzir artigos de elevado valor acrescentado dirigidos a segmentos de mercado de rendimento superior”. Sendo este o objetivo global, há “várias áreas em que é necessário atuar de forma bem coordenada”.

São 45 anos de ligação à APICCAPS e à indústria de calçado. Que grandes mudanças ocorreram nesse período?
Numerosas e profundas, que se poderão dividir em 2 grandes períodos temporais. O primeiro até ao ano de 1999/2000 em que a indústria sofreu vários choques significativos, designadamente a perda dos mercados das ex-colónias, os efeitos do PREC e o choque petrolífero de 1979.

Como reagiu a indústria a esses momentos?
De uma forma geral, a indústria reagiu com grande eficácia a estes choques, adaptando-se ao novo modelo de relações laborais e aumentando significativamente as exportações, sobretudo para a Europa, mesmo antes da adesão formal à então CEE, em 1986. O modelo de negócios foi também evoluindo e a estrutura industrial registou grandes progressos. Importa reconhecer, no entanto, que sucessivas desvalorizações do Escudo e a aplicação de direitos antidumping às importações provenientes da China contribuíram muito para se obter um período temporal suficiente à produção dos resultados desejados.

O segundo período – de 2000 (1999) até ao presente – no qual a introdução do Euro (afastando definitivamente as desvalorizações competitivas) e a adesão da CHINA à Organização Mundial do Comércio (OMC) tornaram absolutamente vital uma progressão muito mais rápida e muito mais significativa na especialização em segmentos superiores do mercado.

De que forma se assumiu a APICCAPS como um agente de mudança?
Foi para mim um privilégio ter acompanhado e contribuído para o grande progresso da Indústria, pela via da minha longa carreira profissional na APICCAPS. Esta Associação poderá talvez ser classificada como aquela que mais contribuiu para o desenvolvimento de um setor. Começou, ela própria, por se adaptar à nova realidade do associativismo empresarial livre (que substituiu o regime de inscrição obrigatório dos Grémios do Corporativismo do “Estado Novo”), renovando e ampliando as suas estruturas e os seus recursos humanos. As sucessivas Direções depositaram uma enorme confiança e conferiram amplos graus de liberdade à equipa de Profissionais que asseguraram a gestão da APICCAPS. A equipa foi-se formando, primeiro pela admissão do então Diretor-Geral – um jovem qualificado e dinâmico – que foi recrutando progressivamente uma vasta equipa nas áreas de Economia, Jurídica, Comercial e Marketing e de Imagem, promovendo também a criação do CTCP. Uma das principais inovações introduzidas então - e que ainda se mantém atualmente – foi a elaboração de Planos Estratégicos para o setor (em horizontes variáveis de 7/10 anos), recolhendo o contributo dos empresários e da Academia. Esta consulta alargada garantiu, não só que os documentos tivessem maior adesão à realidade (quer quanto ao diagnóstico quer no que diz respeito às ações e projetos a implementar), mas também uma maior credibilidade junto do Governo e das suas Agências.

Acho que se pode afirmar que a APICCAPS foi um grande motor da mudança, juntamente com a clarividência do Governo e das suas sucessivas Direções, aliada ao enorme dinamismo e resiliência empresarial. A jovem equipa de gestão que dirige hoje a APICCAPS - com quem aprendi muito – possui ainda mais elevados níveis de qualificação e garantirá um excelente desempenho.

Como se processou a relação com a Administração Pública em especial com entidades como AICEP, Compete, DGAE ou IAPMEI?
Estas entidades assumiram, como já referi, um papel decisivo no percurso da Indústria e com todas mantivemos excelentes relações de colaboração profissional. Devo salientar novamente não só a profunda visão estratégica dos seus dirigentes, mas também a qualidade e capacidade técnica de todos os profissionais com quem trabalhei e a quem estou igualmente muito reconhecido pela colaboração.

Quais foram os principais obstáculos que a Associação enfrentou nestas quatro décadas?
Para além das que já mencionei, uma das que causavam maior angústia e, por vezes, maior perturbação, era a enorme descontinuidade temporal no apoio aos projetos, sempre que se mudava o período de “Programação Financeira” da CEE/UE. Mas também devo reconhecer que contamos sempre com a maior disponibilidade e flexibilidade - dentro do limite do quadro legal definido – quer do Governo quer das suas Agências bem como dos responsáveis da CEE/EU para encontrar soluções que minimizaram os impactos negativos.

Acompanhando de perto as mudanças no setor, que constrangimentos foram prevalecendo e importa ultrapassar?
O rumo e as principais linhas estratégicas do setor estão há muito definidos e em implementação: produzir artigos de elevado valor acrescentado dirigidos a segmentos de mercado de rendimento superior. Sendo este o objetivo global, há depois várias áreas em que é necessário atuar de forma bem coordenada: desde logo a flexibilização da produção e de todo o modelo de negócios; depois a obtenção de maiores níveis de automação em todas as operações, atingindo níveis mais elevados de produtividade; ainda a aceleração dos níveis de inovação em materiais e processos; também a sustentabilidade e a preservação ambiental; igualmente, a qualificação dos RH a todos os níveis e, finalmente, fortíssimas Campanhas de Promoção e Imagem do progresso da Indústria, visando minimizar o gap existente entre qualidade percecionada e qualidade intrínseca dos produtos e do Serviço. Importa destacar a questão das Qualificações e desempenho dos trabalhadores, porventura o fator mais decisivo no próximo futuro. A produção de artigos de gama alta impõe grande rigor e a maior atenção aos mais ínfimos detalhes. Os sindicatos e os trabalhadores devem encarar isso não com desconforto ou como um potencial dano, mas sim como uma condição sine qua non para manter o emprego e criar condições sólidas para aumentos salariais.

Como perspetiva o futuro da indústria de calçado em Portugal?
Ao longo destes 45 anos ouvi alguns “Velhos do Restelo” anunciarem, em diferentes momentos, o fim da indústria. Como a realidade veio demonstrar, a indústria não só não acabou como saiu reforçada sempre que enfrentou dificuldades mais significativas.
Estou convicto de que – com as necessárias adaptações – o futuro repetirá o passado e a indústria provará que é possível continuar a existir em Portugal um sector com relevância no plano do Emprego e das exportações, especializado em produtos de elevado valor acrescentado.

Reformou-se no final do ano passado. E agora?
Orientei-me sempre pela ideia de que todas as fases da vida podem ser vividas com felicidade e satisfação. Agora vou poder dedicar-me mais intensamente à companhia das três netas, ao estudo e execução musical (teria sido Pianista se não fosse Economista), a realizar viagens que ainda não tinha conseguido concretizar e devolver à Sociedade uma parte do muito que recebi, ensinando literacia financeira numa Academia Sénior.


Foto de João Saramago

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