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Calçado reflete sobre um ano mais sustentável

Calçado reflete sobre um ano mais sustentável

2 Mar, 2021

Semana da Responsabilidade Ambiental em retrospetiva


Um ano depois de o setor do calçado – através da APICCAPS e do Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP) – ter apresentado o “Plano de Ação para a Sustentabilidade na Fileira do Calçado em Portugal”, a indústria assinalou a data com a “Semana da Responsabilidade Ambiental na Fileira do Calçado”. Cinco dias, compostos por cinco debates em que se ouviram inúmeros protagonistas, com o grande objetivo de não só fazer o balanço dos primeiros 365 dias de implementação do Plano, mas também de compreender as características, os desenvolvimentos e os recursos que permitem ao setor comprometer-se com uma meta ambiciosa: estabelecer Portugal como a grande referência internacional no desenvolvimento de soluções sustentáveis no setor do calçado.

Por Lígia Lopes Gonçalves

O PRIMEIRO DIA E A RESPONSABILIDADE
Fazendo jus à importância do tema e do objetivo, a semana começou com uma abertura do Ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes. “Se há setor que merece o reconhecimento do notável trabalho que tem feito em Portugal é manifestamente o do calçado,” começou Matos Fernandes por dizer, elogiando o trabalho continuado que o setor vem desenvolvendo. “O setor do calçado portou-se melhor do que todos os outros, seja na procura de novos produtos, na procura de novos mercados, na forma como combateu, e de que maneira, o anúncio de uma morte anunciada com a globalização (..) e isso resulta do mérito do setor, dos seus empresários, da sua associação, e do centro de saber que montou.”

Depois de alertar que é preciso enquadrar o crescimento económico com as questões ambientais, clarificando que “a economia não pode crescer como cresceu. A economia que nós temos de fazer crescer é uma economia que é neutra em carbono, que regenera recursos, porque só assim cabe dentro dos limites do sistema terrestre”, o Ministro do Ambiente, destacou também a importância do compromisso da indústria do calçado com a sustentabilidade, destacando as “muitas áreas” com as quais a indústria do calçado se comprometeu, afirmando ainda que “é fundamental o compromisso de um setor como o setor do calçado”.

Por fim, e depois de adiantar que o cluster do calçado foi um dos três setores eleitos pelo Ministério para participar num projeto de bioeconomia, Matos Fernandes realçou que “mesmo em tempo de pandemia” a transformação não parou e que para passar por ela, “temos mesmo de usar os sapatos do futuro”. E, para que não restem dúvidas, o Ministro clarificou que “esses sapatos do futuro são sapatos que usam biomateriais, são sapatos que quem os produz e vende se orgulha de dizer ‘reduzi para a metade a água que utilizava’”, mas são também sapatos que, quando o consumidor os deixar de usar, “não lhe passe pela cabeça deitá-los ao lixo, porque eles podem mesmo ter um novo futuro”.

Depois da abertura, o debate centrou-se apropriadamente no tema “A Responsabilidade Ambiental do Setor”. Numa mesa redonda em formato digital, Adriana Mano, da Zouri; Ana Maria Vasconcelos, da Belcinto; e Hugo Pinto, da Itaflex trocaram opiniões e ideias.

Adriana Mano realçou que a sustentabilidade não são “só as matérias-primas” e que, por isso mesmo, muito do trabalho de pesquisa da Zouri também se centra em descobrir matérias-primas que aliem o lado social ao lado ambiental. Nesse sentido apontou o exemplo do piñatex, um dos materiais utilizados pela marca, e que constitui um fator de empoderamento económico nas comunidades rurais agrícolas filipinas – responsáveis pela cultura do ananás.

Por seu turno, Ana Maria Vasconcelos apontou outro vetor da sustentabilidade: a importância da durabilidade, referindo que na Belcinto se fazem produtos que “têm garantia para o resto da vida”, “produtos que passam de pais para filhos e de filhos para netos”. A responsável da marca fez ainda questão de referir que, desde a sua origem, que a Belcinto produz produtos em pele, tratada de forma vegetal, portanto “sem crómio”. 

Já Hugo Pinto, da Itaflex, destacou a importância da reciclagem e da reutilização ambiental, lembrando que a aplicação destes princípios encerra também vantagens económicas para as empresas, já que, como afirmou, “ao desperdiçarmos recursos, estamos a perder dinheiro”.

O SEGUNDO DIA E O COURO
No segundo dia desta “Semana da Responsabilidade Ambiental na Fileira do Calçado”, a discussão centrou-se naquele que é um material fundamental na indústria: o couro. Gustavo Gonzalez-Quijano, Cotance; José Andrade, Curtumes Aveneda; Gonçalo Santos, APIC; Nuno Carvalho, Couro Azul; Narciso Ferreira, Curtumes Boaventura; Nuno Pateo Sousa, Dias Ruivo; e João Carvalho, Arspace, juntaram-se assim para debater “O Futuro do Couro”.

Num dia com muitos intervenientes, vários participantes começaram por referir a antiguidade deste material, tão intimamente ligado à história da humanidade, mas também a sua individualidade enquanto matéria-prima. Quase todos, aproveitaram também o tempo para abordar aquele que consideraram ser um dos maiores mitos em torno da matéria-prima, como clarificou Gustavo Gonzalez-Quijano, secretário geral da Cotance: “o maior mito é que os animais são sacrificados para se obter a pele. E esse é um mito bastante prejudicial porque corrompe completamente a credibilidade deste material que é um material de reciclagem”. Gonzalez-Quijano acrescentou ainda que “é preciso explicar que a pele não é mais do que um subproduto, é um resíduo da produção de carne e que se não for transformada, em pele, em couro, tem de se eliminar, com elevados custos para o meio ambiente.”

Já sobre o futuro do couro, os participantes partilharam diferentes abordagens, mas todas inevitavelmente a convergirem na sustentabilidade. Gonçalo Santos, secretário geral da APIC, começou por referir a preocupação do setor com a economia circular, explicando que “hoje, os industriais dos curtumes têm a preocupação de segmentar a produção e verificar em cada ponto da produção como é que podem aproveitar os resíduos” e que, atualmente, “esta circularidade é cada vez mais intensa”. Uma abordagem que todos os intervenientes acabariam por confirmar, direta ou indiretamente.

José Andrade, da Curtumes Aveneda, destacou a aposta da empresa no biocouro, um material que como explicou é “mais sustentável”, cuja “produção respeita os princípios da economia circular”, e que no final do seu ciclo de vida pode “regressar à terra”. Nuno Sousa, da Dias Ruivo, também apontou a aposta no biodegradável, afirmando que “[tratar o couro de forma vegetal] é um passo atrás em termos de tempo, mas consideramos que é um passo em frente”. Por seu turno, Nuno Carvalho, da Couro Azul, referiu que já desde “finais da década de 90 e 2000” que começaram a trabalhar uma “curtimenta wet white” e que em 2018, desenvolveram um “produto à base de extratos vegetais e da bolota”, um “artigo sustentável e biodegradável, com menos emissões”. O administrador da Couro Azul referiu ainda que a não utilização de crómio permite à empresa transformar e reaproveitar “quase 100% daquilo que sai da curtimenta”. Por seu turno, Narciso Ferreira, da Curtumes Boaventura realçou a importância das diferentes medidas aplicadas, em contexto de fábrica, como “a separação de resíduos”, “reaproveitamento de água”, ou “a utilização de energias limpas” e apontou ainda uma sugestão a nível global: “a redução dos corantes nos processos de tingimento”.

A terminar o dia, Gustavo Gonzalez-Quijano sintetizou: “mais circular que a pele não existe. Foi o primeiro produto de economia circular do mundo”.

O TERCEIRO DIA E OS NOVOS MATERIAIS
Chegados ao terceiro dia desta semana, e depois de se ter debatido o futuro da pele, era agora tempo de discutir os novos materiais que a acompanharão nessa chegada ao futuro. Assim, sob o tema “Novos Materiais na Economia Circular”, reuniram-se para esta conversa José Dias, da Poleva; Marita Setas Moreno, da Marita Moreno; Décio Pereira, da Vapesol; e António Ribeiro, da Indinor. O debate tinha ainda prevista a presença de José Moura, da Condor, mas devido a problemas técnicos não foi possível ouvir o administrador da empresa.

Num tema com participantes de empresas bastantes distintas, as contribuições diversas ilustram bem o clima de inovação que se vive no tecido industrial do calçado português. Um clima que coexiste em plena harmonia com os princípios da sustentabilidade, o que leva a que muitas das inovações recorram precisamente à utilização de materiais já existentes, reinventados e adaptados, depois de temporadas de investigação, às necessidades do setor do calçado.

José Dias, da Poleva referiu assim a utilização da cortiça, que resultou de “uma parceria com a Corticeira Amorim” conseguida depois de “muito tempo de testes”, até se conseguir uma cortiça “moldável” e que se conseguisse combinar com “os diversos materiais” utilizados na manufatura das palmilhas da marca. Também Décio Pereira, da Vapesol, referiu a “cortiça”, esclarecendo que esse “é o material [sustentável] que já trabalham há mais anos”, e adiantou que a empresa, em colaboração com o Centro Tecnológico do Calçado (CTCP), está a desenvolver “um projeto de ecodesign”, que consiste na criação de uma sola que associa a “durabilidade com a cortiça”, um produto que será “apresentado na coleção de verão”. Marita Setas Ferro, responsável pela Marita Moreno, também referiu a utilização do material, tanto “nas palmilhas” como “no exterior” dos sapatos da marca.
Mas a cortiça não é o único dos materiais conhecidos a ser reaproveitado. No âmbito dos processos de curtimenta do couro, António Ribeiro, representante da Indinor, explicou que a empresa tem apostado na “economia circular”, enquanto procura “minimizar os produtos à base de petróleo” e o “uso de crómio”. Nesse sentido, a empresa tem dado preferência a soluções provenientes de desperdícios de outras indústrias, como a da produção do azeite. Como explicou, “o bagaço de azeitona pode ser utilizado para produzir gorduras que vão depois engordurar o couro”. Outros exemplos utilizados pela empresa no tratamento da pele são os “produtos provenientes da produção da pasta de papel” e o “glicerol, um subproduto da produção de biodiesel”.

Mas os exemplos de materiais não se esgotam. Marita Setas Ferro apontou ainda “o piñatex, e a pele de maçã” e na categoria dos materiais “bio based”, Décio Pereira falou da utilização de cana de açúcar e milho nas solas Eva Green da Vapesol. Uma aposta que, em 2020, garantiu, já se converteu “em milhares e milhares de pares de encomendas”.
Os reciclados não foram esquecidos, com José Dias a referir o uso de “microfibras e poliuretanos reciclados” e Décio Pereira a mencionar que a Vapesol está a trabalhar com a Universidade do Minho, num projeto pioneiro “a nível mundial”: a reciclagem de solas em Eva. O processo já deu os primeiros passos, mas a taxa de incorporação de Eva reciclado (por agora de 15%) é ainda para o CEO da marca, “insatisfatória para apresentar o material no mercado”. O objetivo disse é chegar aos “50%”.
Os participantes foram todos unânimes no facto de que a sustentabilidade não se esgota nos materiais, clarificando que engloba também um conjunto mais vasto de boas práticas e preocupações. Outro fator referido por todos foi a presença constante de processos (muitas vezes longos) de investigação, porque conforme resumiu José Dias, “a sustentabilidade é um caminho, não chegamos de um dia para o outro”. E, por fim, uma conclusão também unânime: a de que estes novos materiais já não são uma miragem de um futuro distante, mas sim uma realidade presente.

O QUARTO DIA E A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Com a semana a encaminhar-se para o final, ao quarto dia mudou-se o foco dos materiais para as práticas empresariais, mais concretamente para a “Eficiência Energética nas Empresas”. Uma conversa que contou com a presença de Carlos Pimparel, da Direção Geral da Energia; Marcos Dias, da EDP; e Cristiano Lopes, da Jovan.

A convergência de ideias marcou o debate. E um tópico emergiu acima de todos os outros: a importância da auditoria. Ou seja, o facto de que, na procura por melhorar a eficiência energética, o ponto de partida deverá ser sempre uma auditoria. Como sintetizou, Carlos Pimparel, reforçando também a importância da escolha do auditor: “bom auditor, boa auditoria”.

Outro ponto de convergência foi a importância de ir além dos painéis fotovoltaicos. Marcos Dias apontou a título de exemplo, outras vertentes relevantes para a indústria do calçado, nas quais pode ser importante pensar, como: “o próprio edifício, a questão da iluminação, das climatizações, ou a questão do ar comprimido”. Uma questão abordada na primeira pessoa, por Cristiano Lopes, da Jovan, que detalhou o investimento da empresa na questão da eficiência energética, afiançando não só a poupança na fatura da energia, mas também o facto de que existe um mercado para o qual é fundamental ter “planos, medidas e planos de melhorias” nesta área.

Outro tópico fundamental foram os apoios. Carlos Pimparel aludiu aos vários apoios públicos, como o Fundo de Eficiência Energética e os Programas Operacionais Regionais, e referiu ainda a criação de um Superfundo para a transição energética, que funcionará como um agregador dos atuais fundos. O Diretor de Serviços de Sustentabilidade Energética, da Direção Geral de Energia, referiu ainda a importância das associações dos setores na orientação às empresas.

Por seu turno, Marcos Dias abordou os vários programas da EDP para empresas e referiu ainda o protocolo que a empresa estabeleceu com a APICCAPS, no ano anterior, cujo objetivo era “alocar recursos”, lançando depois “alguns projetos piloto para as empresas que mostrem interesse”. E, recordando que esta oportunidade se mantém ativa, deixou o convite às empresas do setor para que contactem a EDP ou a APICCAPS, caso tenham interesse em explorar as suas vantagens.

O QUINTO DIA E A CIRCULARIDADE
Chegados ao quinto e último dia desta semana de seminários digitais, era necessário fechar o círculo, voltando ao que é o início de qualquer produto: o design e, portanto, o tema de encerramento foi apropriadamente o “Design para a Circularidade”. Um assunto que juntou em conversa, Hugo Teixeira, da Urbanfly; Vítor Mendes, da ISI; Rui Moreira e Rita Souto, ambos do CTCP.
Partindo do conceito do ecodesign, que Rui Moreira definiu como “absolutamente crítico para que o produto tenha o menor impacto ambiental possível, quer no processo de produção, quer ao longo do seu ciclo de vida”, os participantes abordaram ainda outros temas complementares: como a importância das certificações, nomeadamente da norma ISO 14001; da formação; e de definir uma estratégia para a sustentabilidade.

No caso das normas, Vítor Mendes, referiu que a sua implementação “só vem trazer eficácia, quer a nível produtivo, quer a nível de limpeza e organização”.

Já em relação à formação, o sócio gerente da ISI afirmou que “não tem dúvidas” sobre a sua importância, explicando que “já há muitos anos” que é uma aposta da marca, nas mais diversas áreas, incluindo no design. Com opinião similar, Hugo Teixeira identificou ainda o peso interno da formação que, na sua opinião, garante “mais compromisso da empresa e dos funcionários”, mas também “mais entreajuda”, e finalmente “mais rentabilidade”. Nesse âmbito houve ainda espaço para a apresentação da nova formação do CTCP – Design 4 Circle – um curso em formato de e-learning que resultou de um projeto europeu, desenvolvido durante dois anos, em conjunto com outros parceiros europeus, de mais setores para além do calçado, nomeadamente do setor têxtil.

Por fim, Rui Moreira reforçando que as normas são uma base, realçou um conceito basilar: a importância das empresas definirem uma estratégia de sustentabilidade, explicando que, uma vez que é “quase impossível (…) abarcar todos os aspetos da sustentabilidade” torna-se fundamental “escolher caminhos e estratégias, de acordo com o que é o posicionamento do produto” e o que se quer “apresentar no mercado”.

E com a semana de seminários terminada, no final ficou uma certeza: o setor do calçado nacional não está a olhar para o futuro, está a fazê-lo acontecer.





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