APICCAPSAPICCAPSAPICCAPS
Facebook Portuguese Shoes APICCAPSYoutube Portuguese ShoesAPICCAPS

Calçar os saltos na liderança: Dulce Cardoso

Calçar os saltos na liderança: Dulce Cardoso

9 Mar, 2023

Entrevista a Dulce Cardoso, Jobel


Há quanto tempo se iniciou na gestão empresarial?
Estou na minha empresa há 20 anos, mas como gestora estou há 10.
Entendo que na minha área, é necessário conhecer muito bem o produto e dominar ainda melhor os processos, para assumir uma posição de topo.

Desde esse dia que evoluções são perceptíveis na indústria da moda portuguesa?
A evolução é enorme e variada. Quando comecei no calçado, assistia-se ao êxodo das multinacionais e o setor estava fragilizado. No entanto, a moda “made in Portugal” estava a começar a tornar-se uma indústria com contornos bem definidos e o calçado soube acompanhar. As marcas portuguesas começaram a surgir, aliadas ou não a criadores e o “made in Portugal” começou a ganhar valor. O domínio da arte de fazer sapatos permitiu uma qualidade exímia, e o mundo não resistiu. É evidente que, principalmente, nesta última década, a massificação dos computadores e telemóveis transformou o mundo da moda, e a indústria mais uma vez adaptou-se muito bem. A flexibilização das empresas para responder com eficiência a pequenas encomendas, e a implementação do e-commerce como canal de comunicação, permitiu uma resposta real ao crescimento da fast fashion. Aliás, nunca esta indústria se retraiu ao investimento tecnológico. A globalização mudou a moda, a digitalização mudou a moda, mas o cluster, alavancado com inteligentes campanhas de marketing internacional, nunca ficou para trás.


Quais os argumentos competitivos da indústria na cena competitiva internacional?
Se entendermos como competitividade, as capacidades de uma indústria gerar valor, de forma sustentável, apesar da exposição à concorrência internacional, não nos faltam argumentos.

Começamos com o “made in Portugal” a marcar créditos, já que ao momento, apenas é ultrapassado pelo “made in Italy”.

Depois temos a tecnologia, tida como grande fator de contribuição para a competitividade, ela está presente na maioria das empresas de calçado e afins. Nos últimos anos, o investimento em investigação, tecnologia e portanto inovação, foi enorme. Um outro argumento relevante é a situação geográfica interna e externa. Ou seja, como país a situação geográfica de Portugal é logisticamente interessante. Mas internamente, a própria localização das empresas do cluster, também é competitivamente interessante. O facto de termos pequenas empresas especializadas em calçado e componentes, próximas, a cooperarem verticalmente entre si, traz uma enorme eficiência à cadeia produtiva e melhora drasticamente os tempos de desenvolvimento. Também o design é um argumento positivo. E temos ainda a própria cultura pacata do país. Mas para mim, o maior dos argumentos, é o perfil estratégico do setor - está provado que nos adaptamos e que não desistimos.


Que desafios adicionais enfrentam as mulheres no mundo empresarial - maioritariamente constituído por homens?
O desafio é bem real e contínuo. O estigma começa desde cedo, no seio familiar, onde todos anseiam por um filho para dar continuidade ao projecto do pai. Como sou a segunda geração da empresa, sempre tive noção que o meu pai, como fundador, tinha essa ambição. Quis o destino que apenas pudesse ter duas filhas. Hoje, admite com veemência que estava enganado e é o primeiro a levantar a bandeira da igualdade.

Internamente, dentro da minha estrutura, nunca senti qualquer dificuldade extra por ser mulher. Para isso pode ter contribuído o meu tipo de liderança – com traços tipicamente masculinos - ou talvez a própria cultura da empresa - equitativa e inclusiva.

Em termos exógenos, a situação torna-se mais complexa. Digamos que no setor das solas customizadas, é muito singular encontrar uma mulher como responsável da empresa. Então, a montante e a jusante, i.e. fornecedores e clientes nacionais, na grande maioria, colocam de imediato em causa a capacidade técnica ou até a capacidade de gestão da pessoa. Assim, como não acedo a qualquer tipo de vitimização, trato de prestar provas rápidas, de forma não evidente, e resolvo o assunto. Já é tarefa padrão para mim. Por outro lado, como comecei pela área comercial, rapidamente me apercebi que por ser mulher nunca iria entrar naquilo a que chamo de lobbies socio-comerciais do calçado.

Ou seja, nos dois grandes polos da indústria (Guimarães-Felgueiras e S. João da Madeira-Oliveira de Azeméis), existem relações de amizade, sociais e familiares, que suportam as relações comerciais e nas quais uma mulher não entra, pelo simples facto de não fazer sentido quer pelas atividades, quer pelos ambientes. E aqui sim, eu encontrei o meu grande desafio. Fazer valer a minha empresa, isolada em Gaia, apenas pelo seu produto e serviço, tem sido o maior dos desafios. Consegui contornar a questão, procurando empresas de calçado cujos líderes tivessem o mesmo mindset que eu – capazes de estabelecer parcerias baseadas apenas nas qualidades técnicas do fornecedor, com imparcialidade e rigor. E há alguns que me acompanham há 20 anos, e por quem tenho elevada estima.

Curiosamente os clientes estrangeiros, principalmente não latinos, têm uma reação muito positiva à liderança feminina. E, portanto, também eles têm estabelecido excelentes relações comerciais com a JOBEL. Até porque o facto de estarmos na rede do Metro e próximos do aeroporto facilita bastante.

Também quando vou a feiras internacionais, preciso de estratégias para ser mais rapidamente credibilizada por novos clientes ou fornecedores. Geralmente recorro a parceiros da casa para me introduzirem na apresentação a terceiros.

Em suma, afirmo que o caminho feminino é bem diferente do caminho masculino.

Assim, e como tenho imenso orgulho em ser mulher, aceito este desafio diário e contorno-o, sem dramas. Com a típica assertividade feminina, muita resiliência e uma enorme determinação, chego onde quero!  

Partilhar:

Últimas Notícias