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Casos de estudo: Wilding Shoes. O sucesso mundial explicado pela fundadora

Casos de estudo: Wilding Shoes. O sucesso mundial explicado pela fundadora

21 Fev, 2022

Entrevista a Anna Yona, fundadora da Wilding Shoes


"Todos temos de fazer parte da solução."

Corria o ano de 2015 quando Anna Yona e o marido, Ran Yona, fundaram a empresa Wildling Shoes, uma referência na indústria mundial de calçado, nomeadamente devido às características sustentáveis do projeto. O World Footwear conversou com Anna Yona sobre o conceito inovador de calçado que apresentam e foi (tentar) compreender como uma ideia original se transformou numa marca premiada pelo design e pelos elevados padrões de qualidade.

A jornada da Wilding Shoes começou em Israel, em 2013, onde Anna e Ran moravam com os três filhos. Nesse ano decidiram mudar-se para a Alemanha. Parece uma história comum, mas na fase de transição entre os dois países, encontrar sapatos adequados para as crianças – habituadas a correr descalças ao ar livre – tornou-se o maior desafio deste casal. Nenhum dos modelos que encontravam parecia preencher os requisitos da família, nomeadamente em termos de liberdade de movimento, na constituição (com materiais sustentáveis) e produção justa. Anna e Ran, que até à data não sabiam nada sobre produção de calçado, decidiram encontrar uma solução. “Compramos muitos sapatos, abrimos cada produto e olhamos para dentro; para a sua composição. Então o meu marido, que é terapeuta desportivo, tentou entender o que faz uma criança mover-se de forma diferente”, diz Anna Yona ao World Footwear.

Partindo do objetivo de fazer um sapato que encaixasse como uma luva nos pés de seus filhos, o resultado da investigação foi um sapato minimalista que utiliza materiais robustos e duráveis, feitos predominantemente de materiais ecológicos. Com uma sola fina, flexível e inovadora, que impacta positivamente a experiência de caminhada e a saúde geral do utilizador, a Wilding Shoes apresenta um design minimalista que contribuiu para uma marcha natural. Inicialmente lançada como uma marca de sapatos infantis, a Wildling Shoes rapidamente se transformou numa marca familiar. “Queremos estes sapatos para nós, não apenas para os nossos filhos”, diz Anna.

No entanto, a Wildling Shoes está longe de ser uma marca exclusivamente focada no seu produto. A empresa procura alargar o seu impacto positivo a todas as áreas em que pode influenciar, principalmente e que diz respeito às pessoas, ao ambiente e até à forma de fazer negócios.

No início, o maior desafio para Anna e Ran foi encontrar os parceiros certos, uma vez que procuravam simultaneamente especialistas na área, mas também pessoas abertas a novas ideias. Começaram pelo design, e encontraram um designer disponível… no México. Começaram a colaborar remotamente, enviando “e-mails para frente e para trás”. Depois de encontrar a solução para a parte superior do sapato, o casal focou-se na forma, supervisionando cuidadosamente o processo para garantir que fosse saudável para o pé e  capaz de proporcionar um movimento livre, em vez de ser apenas bonito. Na fase seguinte da investigação, Ran viajou para Portugal para encontrar os fabricantes certos, “pessoas com quem a Wildling pudesse conversar e trabalhar em parceria; pessoas que acreditaram no projeto - apesar de não ser uma tarefa fácil – uma vez que  quisemos desenvolver um protótipo que correspondesse integralmente ao modelo no papel”.

Why Portugal?
A pergunta que se impõe: porquê Portugal? Anna tem uma ligação pessoal ao país, uma vez que já tinha estado em Portugal e já conhecia a cultura portuguesa. No entanto, o casal também considerou o ambiente da indústria portuguesa de calçado para tomar essa decisão: “Percebemos que há muito conhecimento e que têm sido realizados investimentos de modernização das empresas portuguesas. Por outro lado, também apreciamos que se tratasse maioritariamente de negócios familiares”, diz Anna.

Acresce que “em Portugal, os empresários estão dispostos a tentar algo difícil, mesmo que ainda não exista capacidade para fazer grandes encomendas”. Adicionalmente, como país europeu, “Portugal cumpriu os requisitos legais que a Wildling pretendia seguir em matéria de direitos e proteção laboral, e em matéria de normas ambientais”, uma área muito relevante para o casal de empresários.

A sustentabilidade tem sido uma (literalmente) companheira de viagem, principalmente desde o momento em que o casal tomou a decisão de adquirir diretamente a matéria-prima, em vez de deixar essa tarefa nas mãos das fábricas. Os fundadores da Wildling Shoes acreditam que “muito mal foi feito até agora ao Planeta” e, portanto, uma das suas prioridades é apoiar projetos de renaturação e reflorestamento e cultivar matérias-primas sustentáveis junto dos parceiros. Mesmo assim, Anna considera vital questionar tudo. “A sustentabilidade diz respeito a todas as áreas da empresa. Diz respeito à forma como trabalhamos juntos. Diz respeito à forma como trabalhamos com os nossos parceiros. A sustentabilidade exorta-nos a considerar a importância de redefinir o significado de ‘trabalho de fábrica’ para ajudar a parar a destruição ambiental e promover espaços de trabalho mais saudáveis”, diz Anna.

“Uma fábrica pode ser como um ecossistema? Podemos ter jardins, animais e tornar o trabalho muito mais interessante? Como estão as finanças, como usamos o dinheiro? Precisamos de olhar sempre para os dois lados… Por exemplo, trabalhamos com os pastores locais para obter a lã, logo estes pastores recebem mais porque pagamos mais pela lã que compramos”.

As pessoas
Atualmente, a Wildling Shoes emprega cerca de 270 pessoas, a maioria mulheres e pais jovens, que trabalham 100% digitalmente. Mas esta decisão de trabalhar remotamente e de forma descentralizada aconteceu quase por acaso.

Tudo começou, novamente, com os três filhos de Anna e Ran. Quando ainda eram pequenos, os pais desejavam estar em casa para cuidar deles. Anna sentia que trabalhar em casa podIA uma solução produtiva e implementou essa filosofia na empresa, uma vez que permite aos seus colaboradores equilibrarem facilmente as vidas pessoais e profissionais. Mas isso não significa que a Wildling Shoes não considere os benefícios de trabalhar pessoalmente. Na verdade, Anna sente que a solução perfeita seria “trabalhar em casa quando quiser, mas ter a possibilidade de sair e trabalhar com outras pessoas”. Para isso, Anna acredita que as empresas devem oferecer espaços capazes de inspirar e fomentar a colaboração, ou seja, salas de reuniões maiores e mais silenciosas, espaços que possam combinar reuniões virtuais e presenciais, áreas para comer juntos, espaços para brainstorming e eventos de networking.

A Wildling Shoes oferece, assim, aos seus colaboradores espaços para pequenas reuniões de equipa, mas pretende dimensioná-los para grupos maiores.  No que diz respeito à cultura de trabalho, Anna sente que a melhor maneira de envolver todas as pessoas na empresa é comunicar o objetivo com clareza, para que a equipe saiba não apenas para o que está a trabalhar, mas também por que razão o faz. “Acho importante ter metas significativas, metas pelas quais as pessoas adoram trabalhar”,  diz Anna.

“Além de criar um ambiente que permite que cada funcionário defina suas próprias metas, de acordo com um conjunto comum de valores, também promove um alinhamento dentro da empresa.


A Pandemia
A pandemia continua a ser um assunto inevitável em qualquer conversa e no caso da Wilding Shoes teve um grande impacto na empresa. “No primeiro semestre não sentimos, mas depois começamos a sentir os impactos da pandemia”, lembrou Anna. “Temos muitos pais na equipa, pelo que o encerramento das escolas e jardins-de-infância aumentou a pressão sobre as preocupações naturais com a nossa saúde e com a saúde dos seus familiares. Por isso, a Wilding reduziu as horas de trabalho, mantendo o mesmo salário, e ofereceu duas horas de creche por semana. Retiramos, igualmente, algumas metas previamente estabelecidas para oferecer algum tipo de alívio aos colaboradores. Infelizmente, o sofrimento mental ainda se faz sentir. Temos pessoas que estão a abandonar os estudos com problemas de saúde mental, como depressão e esgotamento. É muito difícil combater isso enquanto organização, mas estamos a tentar”.
Assim, a empresa está a oferecer aos colaboradores aquilo a que chama ‘treinos de resiliência’. “São cursos de seis semanas destinados a ajudar todos os funcionários a lidar com as dificuldades pelas quais estão a passar”.

Negócio direto ao consumidor

A Wildling Shoes continua a ser um negócio direto ao consumidor, uma vez que tem um produto de elevado valor. “É um sapato simples, mas muito difícil de fazer. A produção é dispendiosa e os materiais que colocamos nos nossos sapatos são de altíssima qualidade. Então, para poder oferecer um sapato a um preço ainda acessível, temos que ir diretamente até ao consumidor”.
Anna acrescenta que a estratégia direta ao consumidor lhes permite maior “soberania” sobre a forma como o produto é representado e oferece mais oportunidades para obter um preço mais justo no nível de produção. “ A  Wildling começou com uma campanha de crowdfunding, o que significa que os futuros clientes são os que investem no desenvolvimento da marca. Por outro lado, estes clientes utilizam as redes sociais, que é onde a Wilding tem construído uma comunidade forte onde as pessoas podem entrar em contato umas com as outras”, diz Anna.
Atualmente, a Wildling utiliza vários canais de comunicação, nomeadamente nas redes sociais, mas também um blog e uma newsletter para chegar aos clientes.
Anna reconhece, no entanto, que isso representa maiores desafios hoje, porque esses mesmos canais - que promoveram o crescimento orgânico no início - exigem agora que as empresas tenham um orçamento para atingir efetivamente os clientes.

O futuro

Quando questionada sobre o futuro da marca, Anna mostra-se incapaz de fugir dos grandes desafios do nosso tempo, nomeadamente no que diz respeito às mudanças climáticas e à injustiça social. “É nossa responsabilidade tentar encontrar maneiras pelas quais as empresas possam fazer parte de uma mudança positiva”. Para a Wildling, tendo em conta que os Estados Unidos são o maior mercado de exportação, o grande desafio passa por descentralizar as cadeias de abastecimento. Por isso, a empresa está a encontrar formas de conciliar o foco (natural) na internacionalização com práticas e princípios maios sustentáveis.
“Todos nós precisamos fazer parte de uma solução e não continuar a amplia este problema que criamos juntos. Precisamos de abrir os olhos para os problemas que estamos a criar globalmente, tanto social como ambientalmente. Precisamos de nos perguntar onde queremos estar, o que quero dizer aos meus netos e o que fiz quando nos deparamos com esses desafios? Então, não se trata de quanto minha empresa vai crescer, ou esse setor. Eu entendo que esses são problemas urgentes, mas não é com isso que devemos lidar”.

Foto: Wildling Shoes/Photographer







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