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Catarina Furtado: quantas vidas cabem numa mulher?

Catarina Furtado: quantas vidas cabem numa mulher?

8 Mar, 2023

Entrevista com Catarina Furtado


Quantas vidas cabem numa mulher? Apresentadora, atriz, Bailarina. Mãe. Embaixadora da Boa Vontade. Já viveu, nos seus 50 anos, muitas existências. Em todas surpreende pelo sorriso fácil, a candura do olhar e o sentido de entrega às causas nobres e ao ativismo social. Entrevistamos Catarina Furtado à margem da sessão fotográfica que protagonizou para a Portuguese Soul.
 
A Catarina é Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População. Como começou esta relação tão próxima com as Nações Unidas?
Um dia, há 23 anos, fui contactada por uma pessoa da APF (associação portuguesa para o planeamento da família) para saber se estaria interessada em ir a uma entrevista com um enviado especial da ONU que andava a fazer uma espécie de casting para o cargo lusófono de Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA. Sei que na altura foram entrevistadas mais pessoas mas a verdade é passado um mês recebi uma carta do Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, com o convite formal.

Senti imediatamente que era uma enorme responsabilidade, mas que teria a oportunidade de exercer uma função voluntária que me ajudaria a compreender melhor o mundo e as suas desigualdades e que me obrigaria a estudar “dossiers” a que não estava habituada. Percebi depois que a escolha recaiu sobre mim, devido à genuína preocupação que fui partilhando ao longo da minha carreira, através das entrevistas ou mesmo nos programas que apresentava, sobre temas como a igualdade de género, a saúde materna, a autonomia corporal, os direitos das meninas, raparigas e mulheres, a não violência, a não discriminação e o potencial dos jovens.

Este organismo da ONU tem uma agenda muito dura e desafiante porque as causas que defende não são “sexys” (apesar de alguma terminologia? ) ou seja, é mais difícil arranjar financiamentos para projetos que diminuam a mortalidade materna do que para projetos relacionados diretamente com as crianças. Os serviços de planeamento familiar quando estão a funcionar não só promovem a saúde das mulheres e os seus direitos como também têm um impacto muito positivo nas economias dos países. Testemunhei no terreno, que quando existe investimento nesta matéria, a morte materna diminui entre 25 a 40%. Está provado.

Ao longo dos anos fui tentando usar a minha criatividade ao mesmo tempo que me inteirava dos relatórios, das estatísticas e do trabalho do UNFPA em mais de 150 países. Para poder colocar os temas gritantes, que necessitam de atenção da sociedade civil, de decisões políticas e da opinião publica, técnica e académica, no centro dos holofotes mediáticos. Percebi muito claramente que investir na saúde sexual e reprodutiva da mulher, apoiando-a nas suas decisões informadas, é investir e apoiar uma família, uma comunidade, um país.

Mais tarde, o então Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-Moon, considerou-me uma das Campeãs dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), as metas que todos os Estados membro da ONU definiram como alcançáveis para que o mundo seja um lugar mais justo, e que entretanto foram substituídos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujo prazo para os atingir é o ano de 2030.
O meu mandato de missão tem sido renovado sucessivamente pelos diretores e diretoras executivas do UNFPA. Sou a única portuguesa Embaixadora de Boa Vontade e a que está há mais anos no exercício.

Quais são as suas principais responsabilidades enquanto Embaixadora do UNFPA?
Efetivamente o que é esperado de nós é que ponhamos determinados assuntos nas agendas públicas e políticas, desde a igualdade de oportunidades e de género, à inclusão social, aos direitos reprodutivos, à participação dos jovens, à não violência com base no género ( e todas as práticas nefastas como a mutilação genital feminina, os casamentos infantis e forçados, combinados ou precoces, a gravidez adolescente..).

Temos como compromisso trabalhar diretamente com a comunicação social, dando entrevistas temáticas, mas também escrevendo artigos. Ir às escolas falar para alunos e professores. Organizar campanhas de angariação de fundos para os projetos no terreno e ter reuniões com os decisores políticos, em Portugal e nos países em desenvolvimento. Desde ministros, secretários de estado, a parlamentares.

Faz parte também marcar presença em conferências na Assembleia da República e co-apresentar o Relatório sobre a situação da População Mundial do UNFPA.
Depois existem também visitas de trabalho/ missões (ex: Moçambique, Guiné-Bissau, Egipto e Cabo Verde) e conferências na sede das Nações Unidas, em Genebra, em Praga, na Comissão Europeia entre outras.

Como não há um financiamento que possibilite a minha ida ao terreno com regularidade, para eu possa conhecer de perto as necessidades reais das populações e mostrar ao público em geral o impacto do trabalho humanitário do UNFPA, decidi, há 16 anos, criar um formato televisivo em forma de documentários  a que chamei ( com o meu realizador e co-autor, Ricardo Freitas) Príncipes do Nada . E também fiz uma série Dar vida sem Morrer, na Guiné Bissau, sobre a mortalidade materna. Acho determinante mostrar através de bons exemplos, e da emoção, os resultados do empenho para que haja ação e vontade de promover, de financiar com coerência e sustentabilidade, os direitos humanos. Os episodéos podem ser revistos na RTP Play.

Tenho tido a oportunidade de testemunhar e filmar o trabalho árduo de organizações da sociedade civil e do sistema das Nações Unidas em muitos países como o Sudão do Sul, Indonésia, Colômbia, Haiti, Bangladesh, Timor Leste, India, Uganda, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, e em vários campos de refugiados como por exemplo na Grécia e no Líbano.

Nascer com saúde e com direitos não pode ser um privilégio de algumas mulheres e crianças, mas sim um direito pleno para todas as pessoas em todo o mundo.

Apesar de sentir muitas vezes uma sensação de impotência, gostava de poder permanecer ao serviço destas causas no mundo em desenvolvimento. E esta convicção chega-me por ter assistido em muitas situações, à diferença entre a vida e a morte de mães, mulheres e bebés através dos projetos do UNFPA que investem na saúde da mulher e no combate à violência dos direitos humanos das mulheres.
Nunca irei esquecer as expressões e os números chocantes dos casamentos forçados/precoces, da mutilação genital feminina, da fistula obstétrica e da falta de acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva, de planeamento familiar e educação.
O poder de uma câmara, de um microfone ou de uma máquina fotográfica é enorme e pode mudar a realidade, desde que se proteja a dignidade das pessoas.


A Catarina assumiu esta função há mais de 20 anos. De que forma é que esta missão mudou a sua vida?
“O que Vejo e Não Esqueço”, um livro que escrevi em 2015, resume bem esta resposta e o outro livro que escrevi sobre a adolescência “ Adolescer é fácil#soquenao” também.

 Através das suas páginas deixo muito clara a mais evidente de todas as conclusões: as mulheres, as raparigas e as crianças são as maiores vitimas de todas as desigualdades e violências do mundo. Quando vou para o terreno fazer os meus documentários Príncipes do Nada, acabo por estar em duas frentes, assumindo também o meu papel de Embaixadora de Boa Vontade. Ou seja, para além de fazer as reportagens para o programa, também tenho encontro com ministros e com representantes locais do UNFPA. Depois de ter uma noção clara das dificuldades existentes, de ouvir as pessoas que realmente contam, o povo, transmito as mensagens para a imprensa.

A minha perspetiva de vida ou pelo menos o meu foco principal, mudou totalmente.

Hoje eu sei o que significa a palavra Urgência! É urgente não esquecer as pessoas que mais sofrem ( as meninas , as raparigas, as mulheres, os migrantes, os refugiados) não só em contextos de pobreza, de guerra, de conflitos mas também nos países desenvolvidos onde existe paz mas que são dominados por ditadores que utilizam muitas vezes a justificação da religião para violar os direitos das mulheres, como é o caso do Irão e do Afeganistão.

Acho que, por temos o acesso à informação, desde que a saibamos separar da mentira, temos também a obrigação de fazer mais e melhor. O que estiver ao nosso alcance para melhorar as vidas de quem é sistematicamente silenciado, violentado, negligenciado. Temos de exigir solução.  

Eu decidi que tenho de contar histórias reais, com rigor mas também com esperança. Histórias positivas sobre investimentos certeiros e exemplos a seguir, mas nunca fazendo apenas a exposição do seu sofrimento.

É nesse trabalho que consigo ir buscar o balanço emocional, mas não deixa de ser muito perturbador saber que aquelas pessoas irão continuar a viver em tendas com ratazanas, os filhos impedidos de prosseguir os estudos, que passam os dias em filas à espera de um prato de comida, enquanto eu regresso ao meu conforto. Por isso não me calarei.

E tento apontar alguns caminhos quando me pedem conselhos ( e são muitas as pessoas a fazê-lo!) : Doar dinheiro a quem intervém no terreno; ir para o terreno fazer voluntariado especifico; praticar o ativismo online (petições ); manter-se informado; falar com os nossos representantes políticos e associações não governamentais; estar atento ao poder perigoso das fake news; fazer vigilância politica.
 
Qual a importância para um pequeno país, periférico como o nosso, ter um português, António Guterres como Secretário Geral Nações Unidas?


Antes de qualquer outra razão, existe a razão emocional. É um orgulho ter um português num cargo tão importante. Sei e sabemos que a ONU tem problemas estruturais, é uma organização pesada, não é perfeita mas se não existisse, o mundo estaria seguramente muito pior. É assim que temos de pensar, não deixando nunca de reivindicar mais do seu papel.
António Guterres é um humanista verdadeiro, que alia o saber à empatia. Tem no exercício da diplomacia a sua maior vantagem e energia para o cargo.
Há sempre opiniões diferentes em relação à sua prestação porque somos todos um bocadinho secretários gerais de bancada. Mas é um motivo de grande satisfação porque leva o nome de Portugal a todo o mundo, quando na maior parte das vezes, é o futebol e o fado que o fazem. Ter como português alguém cujo contributo é tentar endireitar o mundo, é de todas as funções, a mais nobre.

Em 2022, a Associação Corações com Coroa (CCC) que criou em 2012, num momento em que o País atravessava uma crise financeira, celebrou o 10º Aniversario. Que avaliação faz do trabalho realizado?
Tenho muito orgulho na minha equipa de 8 pessoas, mais algumas  colaboradoras e voluntários. É uma empresa social cujo lucro é um investimento que se reflete na autonomia das centenas ( mais de 500 ) raparigas e mulheres que apoiamos e a quem já reenguemos as vidas. Em 11 anos já fizémos muita coisa, embora haja muito mais para fazer. Mas fazemo-lo com uma entrega total apesar de sermos uma pequena estrutura. Eu sinto que sou uma privilegiada e agradeço todos os dias com trabalho voluntário.  Faço questão que os meus filhos e enteados percebam o mundo e queiram fazer parte da solução.

E com a Associação, Corações Com Coroa também sinto que estamos a fazer a diferença porque apoiamos muitas mulheres com atendimento gratuito, diário,  nas áreas de psicologia; serviço social; apoio jurídico; apoio dentário; empregabilidade;  literacia financeira; atribuímos bolsas de estudo, com apoio bio-psico-social a jovens raparigas que não poderiam prosseguir os estudos universitários por questões financeiras e por falta de apoio estrutural ( já demos até hoje 34 bolsas) e também temos um projeto sobre a pobreza menstrual.  Mudamos vidas. É muito empoderador!

É um orgulho imenso saber que a Jéssica Silva, por exemplo, que representa a seleção portuguesa de futebol, começou com o nosso “empurrão” e que agora marca todos os dias valentes golos na sua vida.

Ou a Élia, jovem romani, no curso de Direito, uma role model para tantas outras raparigas ciganas que nela encontram a força capaz de boicotar casamentos e gravidezes precoces e que as permite continuar a estudar.

A CCC vai também a escolas, com um projeto contra a violência no namoro e o bullying, uma realidade pouco debatida na nossa sociedade e que, inevitavelmente, aumentará os números e a vergonha da violência doméstica. Já apresentámos para cerca de 8.000 alunos de todo o país.
E ainda temos o nosso negócio social, o CCC Café cujas receitas revertem na íntegra para os projetos da Associação e dá emprego. Um espaço mágico, uma esplanada, onde se consome com responsabilidade social, fazem-se tertúlias de entrada gratuita e onde cada cliente se sente em causa. Praticamos uma solidariedade horizontal, colocamo-nos no lugar das pessoas que precisam do nosso apoio. Somos contra a solidariedade vertical que pressupõe uma superioridade, é o dar de cima para baixo.
No ano passado festejámos no Teatro da Trindade o nosso 10º aniversário onde os sócios, parceiros, amigos e o público em geral puderam ver os resultados dos projetos embrulhados num espetáculo que emocionou. Porque a mudança começa no coração e transforma-se, ganhando forma, com a razão. No futuro falta-nos assegurar mais apoios financeiros para conseguirmos ajudar mais pessoas e para isso conto muito com o contributo área da responsabilidade social das empresas.
Gostava de um dia criar uma espécie de loja do cidadão mas só para as temáticas dos direitos humanos. Quem sabe... sou teimosa. Convido a visitarem o site da CCC:  www.coracoescomcoroa.org

Na Missão da CCC, “Empoderar raparigas e mulheres” é um grande objetivo. Porque é que a nossa sociedade continua a avançar tão lentamente neste domínio específico?

Medo enraizado. A nossa sociedade está construída com raízes muito fortes num machismo predominante.
As próprias mulheres ainda não conhecem o seu poder e o seu inteiro papel e por isso se diz que são más umas para as outras. Eu não concordo. Sou feminista. Adoro ser mulher mas não represento todas as mulheres. Defendo a liberdade. Na minha opinião todas as pessoas deveriam ser feministas porque o que se está a defender é a igualdade de oportunidades, de acesso a lugares de decisão, de escolhas. Até essa igualdade existir, todos deveríamos lutar por ela. Porque toda a sociedade beneficia. Não é uma questão de opinião, mas sim de se estar informado e combater a ignorância. O feminismo não é contrário de machismo, não quer anular o papel do homem, mas quer equilibrar as desigualdades.

Porque é que investir nas raparigas e mulheres é, de facto, o que faz mais sentido, é a coisa mais certa?
Porque investir é prevenir custos, não é gastar dinheiro. É ser inteligente e fazer um trabalho sério de avaliação dos projetos que tiveram um evidente impacto na conquista da igualdade de oportunidades.
As mulheres com níveis de escolaridade mais elevados, têm menos filhos e menos gravidezes não planeadas, maior probabilidade de casar mais tarde e de contribuir para o crescimento económico dos seus países.

Globalmente mais de 130 milhões de raparigas estão fora da escola.
63% dos adultos iletrados são mulheres.

A educação transforma vidas.
O investimento na educação das raparigas transforma as comunidades, os países e o mundo inteiro, reforça a economia, contribuindo para sociedades mais estáveis, resilientes que dão aos indivíduos, incluindo rapazes e homens, a oportunidade de alcançar o seu potencial.

São várias as barreiras que se erguem na educação das raparigas, as quais variam conforme os países e as comunidades em que se inserem.

O trabalho infantil, o papel de cuidadoras de familiares, as escolas sem condições sanitárias próprias que permitam manter a higiene, incluindo durante a menstruação, conflitos e emergências humanitárias e as normas sociais ancoradas numa enraizada desigualdade de género. Mas também, os casamentos infantis, precoces e combinados que são uma forma e violência com um impacto devastador na vida das raparigas.

Todos os anos, 15 milhões de raparigas com menos de 18 anos casam ou entram em união marital interrompendo e pondo fim a um percurso de escolarização que lhes permitia ganhar competências, para quebrar o ciclo de pobreza, exclusão social e violência.
Estes casamentos levam a gravidezes precoces e frequentes, que também contribuem para as elevadas taxas de abandono escolar.

Todos os anos 16 milhões de raparigas entre os 15 e os 19 anos são mães, sendo que o estigma, a falta de apoio para cuidar dos bebes e as leis discriminatórias, as excluem da escola.

Todos os dias morrem 20.000 adolescentes no parto com menos de 18 anos.  

E todos os dias morrerem 830 mulheres por causas evitáveis, preveniveis, associadas à gravidez e ao parto.

A cada 11 segundos uma gravida ou um bebe perdem a vida.

Mais de 218 milhões de mulheres não conseguem aceder a contracetivos modernos.

Uma em cada três mulheres é vitima de violência ao longo da sua vida.

Hoje em dia, 200 milhões de meninas e mulheres vivem com as consequências de uma Mutilação Genital Feminina.

Um estudo do Banco Mundial de 2016, prova o poder transformador do investimento na educação das raparigas até aos 12 anos de escolarização,  fazendo as contas ao prejuízo que os países têm em termos de produtividade e rendimentos por falta desse mesmo investimento.

Precisamos de mais cooperação nacional e internacional.

O que eu tenho vivido é a vida real.
Não esqueço os olhares, as palavras, os exemplos, a coragem, os sacrifícios e as dores das pessoas que me confiaram as suas histórias. Pessoas, sobretudo mulheres, que a sociedade assume com o rótulo de vitimas, vulneráveis, pobres, que desconhecem os seus direitos.

E no fundo são estas centenas de raparigas e mulheres, que me têm dado a definição certa do que é ADMIRAR alguém!  São elas que me inspiram, que me incentivam a ir mais longe na procura de meios para lhes dar acesso às mesmas oportunidades.

Nas pessoas que lutam diariamente pela sua sobrevivência, encontro genuína  generosidade e espirito  de entreajuda.

Não é justo crianças serem mães de crianças porque as leis (também as tradicionais) não o impedem.
A vontade política, refém de arquiteturas estratégicas, não chega, e os programas de prevenção em saúde e empoderamento de mulheres, não são atrativos para os financiadores, ...vá se lá saber porquê.

Conheci e sei de cor, alguns nomes de muitas meninas de menos de 15 casadas com homens de 60 anos, ou mais.
As tradições não são, nem podem ser a justificação para a violação dos direitos. As culturas podem ser preservadas desde que não se violem esses mesmos direitos.

Neste momento de rutura e de grandes desafios que estamos todos e todas a viver, é tempo de combater os movimentos populistas, nacionalistas que, também em Portugal, manipulam a essência dos direitos humanos incluindo o direito ao desenvolvimento.  

Temos de defender os nossos quotidianos globais:  é absolutamente fundamental não esquecer, secundarizar ou tentar invisibilizar, demasiadas pessoas com base na sua orientação ou identidade sexual, no seu sexo, na origem étnico- religiosa, no lugar onde nasceram, ou no lugar que ocupam na família.  
Falo de racismo e xenofobia, mas também de homofobia e transfobia, e de marginalização de refugiados e migrantes.
Mais de 70 milhões de pessoas no mundo foram forçadas a fugir dos seus países ou a deslocar-se internamente, devido a guerras, conflitos ou perseguições.

Nunca a humanidade teve tantos refugiados: 26 milhões sendo que 13 milhões são crianças.

Contas que não param de aumentar.
Pessoas que, de um dia para o outro, tiveram de escapar à morte, arriscando a vida. Eu entrei nos campos de refugiados da Grécia nas ilhas de Samos e Lesbos, e vi na Europa os valores humanistas serem totalmente ignorados.
Fui também até à Colômbia conhecer as histórias aflitivas dos migrantes venezuelanos, provocadas pela crise social e económica do seu país, e ainda dos milhões de deslocados internos colombianos com marcas de uma violência indiscritível causada pelos conflitos.
E mais uma vez, as mulheres são presas mais fáceis.

Hoje, em todo o mundo, há crianças que são mães, há filhos com mães mortas e há mães que contam os filhos que já partiram.

Estas pessoas têm de ser ouvidas para que possamos todos agir contra os números que diariamente nos são enviados pela imprensa, pelas redes sociais, pelos relatórios ou pelos discursos.

A solução está já identificada e chama-se PREVENÇÃO.  

Apesar dos avanços e histórias de sucesso que podemos partilhar, é urgente reunir esforços, recursos e vontades para alcançar os três zeros que fazem a diferença nesta caminhada coletiva de até 2030:

Zero mortes maternas;  zero necessidades não resolvidas de planeamento familiar e  zero formas de violência baseada no género com especial atenção para a mutilação genital feminina, os casamentos infantis (ex:no Brasil e em Moçambique), a Não escolarização de meninas e mulheres que é transversal à maioria dos países, incluindo os lusófonos, e que conhece hoje novos cenários como o Irão e o Afeganistão, e ainda a violência doméstica e a violência sexual.
O que eu quero para as meninas que vivem ao meu lado, aqui em Lisboa, é o mesmo que quero para as meninas que estão nas zonas rurais ou nas cidades de qualquer outro país do mundo.

Quem é privilegiado por ver os seus direitos reconhecidos tem de se revoltar com a violação dos mesmos em relação a milhares de pessoas do nosso mundo.

Apresentadora, Atriz, Comunicadora, Embaixadora, Autora, Mãe, Mulher……a Catarina assume vários papeis. Ativista é mais um?
Nós temos duas opções na vida: querer participar na construção de um mundo mais igualitário, ou não querer. Preferir assobiar para o lado e fazer de conta que não é nada connosco. Só que é!

Vivemos uma humanidade partilhada e por isso, mesmo que inconscientemente, ninguém poderá sentir-se verdadeiramente realizado, quando os benefícios só preenchem o seu próprio umbigo.
Quando isso acontece os sentimentos de competição, ambição desmedida, e insatisfação permanente apoderam-se da pessoa, afastando cada vez mais a possibilidade de atingir uma paz interior.

Eu confesso que nesta altura da minha vida, independentemente das inquietações, dos problemas do dia a dia, conquistei um estado de satisfação pessoal que me permite ser, não só mais positiva e otimista realista em relação à vida, mas também mais empreendedora, por ver o impacto do meu trabalho e da minha equipa, na melhoria da qualidade de vida de outras pessoas.
Para mim esse é o real Poder e a definição de Sucesso.

Comecei a fazer voluntariado com 9 anos na escola de ensino especial Crinabel onde a minha mãe era professora, foi uma semente boa e acho que nasceu aí uma pequena ativista que se veio a muscular ao longo dos anos.

Na minha opinião, temos de ser cidadãos participativos, exigir políticas publicas transparentes, com compromissos concretizados, mas também temos de envolver a sociedade civil, as empresas, cada um de nós, para que o verdadeiro combate às desigualdades de género, sociais e económicas, seja eficaz e efetivo.
Esta é a minha maior missão de vida (depois do meu papel de mãe). Esta é a pegada que quero deixar no mundo e utilizo a minha profissão de comunicadora para o fazer.
Acredito no poder da inspiração e acredito na educação para a empatia, para que consigamos construir um mundo onde as pessoas são mais atentas ao seu redor e têm os seus direitos reconhecidos. Com uma atenção especial para as mais vulneráveis.
Um dos projetos da CCC chama-se precisamente Tamo Junto com a Guiné Bissau e está implementado no Hospital Central Simão Mendes em Bissau. Construímos uma nova ala da maternidade, com 9 enfermarias, para as áreas de obstetrícia e ginecologia, necessidades que fui recolhendo ao longo das várias viagens que tenho feito ao país.  
Eu e a minha equipa ( na Direcção, Ana Magalhães e Cláudia Cerveira ) temos consciência de que muitos dos projetos da CCC existem também graças a quem acredita que pode mudar o mundo. Pessoas e empresas que tal como nós, acham que devemos aplicar diariamente o maior de todos os poderes, o de mudar vidas. Ser poderoso é isso. E é mesmo possível transformar realidades sem as eternas desculpas das questões culturais.

É possível fazer nascer em cada um de nós um ativista?
Depois da pandemia, chegamos a pensar que haveria uma certa consciência coletiva que se iria impor para o bem da humanidade. Seguiu-se a Guerra na Ucrânia. Ainda nos custa aprender como sociedade?

Antes de responder à pergunta queria só sublinhar que com Covid-19 as desigualdades de género estão ainda mais acentuadas e contribuem para o risco acrescido de abandono escolar, exploração sexual e todas as outras formas de violência.

Por exemplo, a escassez de recursos para os programas de saúde sexual e reprodutiva, de saúde materna, infantil e planeamento familiar, colocou muitas mais mulheres e famílias em risco, porque as verbas destinadas, foram transferidas para a Covid 19.

As pandemias agravam as dificuldades para raparigas, mulheres, deficientes, refugiados, migrantes, e pessoas mais vulneráveis do ponto de vista financeiro.

As mulheres representam 70% da força de trabalho nos serviços social e de saúde, no mundo inteiro, e por isso têm estado mais expostas ao vírus e à discriminação, relegando para segundo plano os seus direitos psicossociais.

A questão da violência por parte dos parceiros é muito importante porque a tensão provocada pelos efeitos da pandemia aumentou os casos de violência, e a pandemia também enfraqueceu os serviços de apoio às vítimas. Para além disto, com as escolas fechadas, a sobrecarga de trabalho foi assumida pelas mulheres que andaram com as famílias "às costas" e com o ato de terem de ficar em casa, também perderam a sua autonomia financeira.

Nunca antes a conciliação entre a vida familiar, pessoal e profissional foi um desafio tão grande, no confinamento das nossas casas. São passos atrás nas conquistas feitas para a igualdade de género. Também no que diz respeito ao trabalho desprotegido e informal em que são principalmente as mulheres as cuidadoras, também ficaram mais prejudicadas.

A crise provocada pelo Covid e a guerra na Ucrânia terão de abrir caminho para novas políticas públicas e questionar as políticas publicas que estão a deixar pessoas de mão estendida, mas para além disso, temos nós também de fazer uma auto avaliação ao nosso comportamento, à nossa incapacidade para aprender com os erros do passado.

Há uma crise EGOLOGICA- Egocentrismo cega e não permite estarmos atentos aos suspiros dos outros porque é como se estivéssemos sempre de headphones com a nossa própria playlist.

O tema desta revista é “Um Mundo Melhor”. De que forma podemos contribuir para tornar o mundo…melhor?

Saber ouvir. Querer ouvir. Aceitar as diferenças antes de criticar. Fazer o exercício de se colocar no lugar dos outros. Com muita força. Não partirmos do princípio que as necessidades dos outros são iguais às nossas. Sermos persistentes, percebermos que a humanidade é uma partilha constante e sobretudo perceber que o que fizermos aqui terá impacto ali e vice-versa.

A cooperação internacional não é apenas o trabalho de diplomatas, ministérios de negócios estrangeiros, relações exteriores ou das grandes conferências mundiais, a cooperação internacional faz-se e exercita-se no quotidiano através do empoderamento e da promoção da igualdade de todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás.

Criar paz dentro do nosso peito, vai permitir que consigamos promover a paz fora dele. Praticar uma solidariedade responsável e horizontal, faz bem ao nosso mundo interior com resultados concretos no mundo exterior, tornando-os melhores.

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