Portugal esteve representado na Lineapelle por 32 empresas de componentes e curtumes
E-Blast da Aloft atrai investimento estrangeiro
O E-Blast, o polímero expandido com gás que a Aloft está a produzir na sua fábrica de Vila do Conde, desenvolvido no âmbito do projeto BioShoes4All, está a gerar interesse por parte de grandes marcas internacionais de calçado desportivo por Portugal, admitindo instalarem-se no país para estarem mais próximas da origem das solas.
E a própria Aloft está em transformação, preparando-se para dar o salto e, a partir de 2025, começar a produzir calçado injetado. Uma área em que deu os primeiros passos já em parceria com a Decathlon, multinacional com a qual desenvolveu “a primeira sapatilha do mundo integralmente fabricada sem recurso a qualquer tipo de cola”. A ambição é passar das solas a fabricante de produtos de desporto de elevada tecnicidade.
Para já, arrancou a produção das primeiras solas E-Blast, tecnologia inovadora apresentada pela Aloft na edição de setembro da Lineapelle e que, agora, entra em processo de fabrico, 24 horas por dia, sete dias por semana. Dela resultam solas ultraleves, sustentáveis e com reduzida necessidade de mão de obra, um produto com o qual Pedro Castro, ceo da Aloft, espera mais do que duplicar o volume de negócios.
A sola E-Blast produzida pela Aloft pesa cerca de 110 a 120 gramas, que comparam com os 200 gramas habituais, mas, ainda assim, acima dos 80 gramas a que produtores chineses conseguem obter. Pedro Castro garante que a segurança é um “fator inegociável”. “As normas na China ainda permitir meter as solas em câmaras hiperbáricas a 300 bar, o que é proibido na Europa. Aqui, conseguimos atingir quase a mesma performance, mas com processos de fabrico amigos do ambiente e 100% seguros. Não abrimos mão da higiene e segurança de quem connosco trabalha”, sublinha.
A Atlanta e os seus bioplásticos
A busca por novas matérias-primas mais ecológicas e sustentáveis é uma preocupação constante da Atlanta, que tem em curso vários projetos de investigação em parceira com entidades do sistema científico nacional, como a Universidade do Minho e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, entre outras. E os bioplásticos, ou seja, as solas produzidas a partir de base biológica, com fibras naturais como a cortiça, a cana-de-açúcar, borras de café ou cascas de arroz, entre outros, são inovações daí resultantes e que estiveram em especial destaque em Milão.
João Carvalho, da equipa comercial da Atlanta, explicou que a empresa conseguiu desenvolver internamente uma borracha (SBR) 85% de origem vegetal, substituindo a maior parte dos materiais de base fóssil por compostos vegetais. Com os reciclados e biodegradáveis, os bioplásticos vêm reforçar a aposta da Atlanta ao nível da sustentabilidade, um compromisso da empresa que tem já vários anos e que ficou patente, por exemplo, com a instalação de 1500 painéis fotovoltaicos que asseguram já mais de 50% dos gastos energéticos da fábrica, assegurando a redução de mais de 360 toneladas de emissões de CO2 ao ano.
Construído que está já um novo pavilhão industrial, que permitirá à Atlanta aumentar em 20 a 30% a sua produção anual, melhorando, em simultâneo, o lay-out operativo, para prestar melhor serviço ao cliente, a empresa da Lixa prepara-se para, nos próximos dois a três anos, duplicar a sua área de painéis solares, de modo a tornar-se auto-suficiente. Dos três milhões de pares de solas que produz ao ano, 30% são já fabricadas com recurso a materiais sustentáveis.
Procalçado apresenta solas 100% compostáveis
As BioCir®flex, as solas 100% compostáveis desenvolvidas pela Balena em colaboração com a For Ever, a marca de componentes do grupo Procalçado, foram a última novidade apresentada pela empresa portuguesa em Milão. E os técnicos da Balena estiveram na Lineapelle para ajudar a explicar a mudança de paradigma que esta inovação traz. “As solas dos sapatos tradicionais representam desafios de reciclagem, muitas vezes acabando em aterros sanitários”, explica a Balena no seu site, dando conta que as BioCir®flex são produzidas com um “material bioplástico robusto”, tornando-se “totalmente compostáveis e ricas em conteúdo de base biológica”, reduzindo, assim, o impacto ambiental da produção de calçado.
Apostada em apresentar um portefólio alargado de produtos que garanta possibilidades infindáveis aos seus clientes, a For Ever apresentou, ainda, a tecnologia Infinity Foam, que, com recurso à injeção de nitrogénio, assegura solas de “elevada performance e leveza” e com uma “reciclabilidade infinita”, bem como solas de borracha 100% natural, entre outras inovações.
A Procalçado, que em 2023 comemorou os seus 50 anos, nasceu a partir da fabricação de solas e evoluiu, entretanto, para a produção de calçado injetado, com as marcas Wock, no segmento de segurança, e Lemon Jelly, na moda. A sustentabilidade é uma das maiores preocupações do grupo, que pretende atingir a neutralidade carbónica até 2025.
Vapesol fabrica EVA com zero desperdício
Desde 2022 que a Vapesol tem uma unidade produtiva exclusivamente dedicada a solas de EVA e que, agora, se transformou na “primeira empresa do mundo com desperdício zero” neste processo de fabrico. Em Itália, esta foi uma das grandes novidades que deu a conhecer aos seus clientes, desenvolvida ao abrigo do projeto FAIST, que envolve 45 entidades e prevê investimentos totais de 60 milhões de euros.
O projeto resultou de uma parceria com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Minho que mostrou ser possível reverter a expansão do EVA, de modo que possa ser, de novo, reintegrado no processo de fabrico de novas solas. O processo, desenvolvido em parcerias com uma empresa italiana da área dos plásticos, e com uma grande experiência na economia circular, foi certificado e patenteado, com a marca EvaPowder. Permite uma incorporação de até 20% de desperdícios de EVA, ou seja, mais do que os 11% de taxa de desperdício que a produção habitual da Vapesol gera. Décio Pereira, CEO da empresa de Felgueiras, garante, por isso, que, neste momento, esta é a “primeira e única empresa no mundo a ter desperdício zero de EVA”.
Fornecedora de solas para grandes marcas de luxo, a Vapesol acredita que esta reciclabilidade do EVA que a nova tecnologia traz vai agradar a aos clientes, na medida que todos procuram, crescentemente, lançar novas linhas de artigos sustentáveis. E com este investimento, a Vapesol deixa de enviar para aterro qualquer coisa como 50 toneladas de desperdício, pelos quais pagou cerca de 200 mil euros. “O lixo é o novo luxo”, diz Décio Pereira.
Dias Ruivo apresenta peles biodegradáveis
Outro dos parceiros do BioShoes4All é a Dias Ruivo, a empresa de curtumes de Avintes, que apresentou na Lineapelle os seus couros biodegradáveis, curtidos sem recurso a metais pesados, como o crómio. Ana Dias, a quarta geração da família no negócio dos curtumes, admite que a curtimenta vegetal é um produto ainda com limitações, designadamente em termos de solidez à luz.
Transformar o couro bovino em produto de moda, para ser usado no calçado, mas também na marroquinaria, vestuário ou até em mobiliário, é a perícia garantida pelo saber fazer de gerações, mas também de investimentos contínuos em investigação e desenvolvimento. Um negócio que depende da alimentação humana, dando nova vida à pele dos animais abatidos para servir a indústria alimentar, e evitando o seu envio para aterro.
“A pele é sempre biodegradável, é tudo uma questão de tempo. Quando não há uso de metais pesados, essa biodegradação ocorre de forma mais rápida e é isso que se pretende. Mas a curtimenta vegetal tinha muitas limitações, em termos de solidez da cor à luz e foi preciso evoluir na fórmula, arranjando maneira de tirar os metais pesados do processo, mantendo a suavidade da pele e a resistência da cor”, explica Ana Dias.
A Dias Ruivo tem vindo a trabalhar neste projeto desde 2022, e já começou a apresentar resultados, mas há, ainda, muito caminho para andar. O objetivo é tornar estas peles mais leves. “Apesar de serem peles que têm um toque leve, têm um peso efetivo e seria ótimo se conseguíssemos reduzir a sua densidade em 30%, até para assegurar um leque mais alargado de usos”, explica.