Será o calçado de conforto um dos produtos de luxo do futuro?
A nível internacional, uma das marcas que mais cresceu foi a Birkenstock. Para Fernando Bastos Pereira este é “um produto da pandemia”. Para o produtor de moda, “há muito que a indústria da moda dava sinais de que os produtos de conforto estavam aí para ficar. Como se vê pela proliferação dos sneakers”. Depois do ‘boom’ dos sneakers as grandes casas internacionais começaram a apresentar alternativas, nomeadamente sandálias confortáveis.
“O aumento da esperança média de vida, associada a uma maior consciência sobre a importância da saúde dos pés (principal órgão de locomoção humana) tem feito aumentar o interesse e a procura por calçado cada vez mais cómodo e fisiológico. As vantagens da utilização deste tipo de calçado são inúmeras mas podem dividir-se essencialmente em: estabilidade, Respeito pela anatomia do pé e redução da fadiga muscular”, diz Sofia Ferreira, podologista e responsável pelo consultório Saúde no Pé.
Em Portugal, existem várias empresas e marcas especializadas neste segmento de mercado. Como é o caso da Plumex. Para Pedro Carlos, um dos responsáveis da empresa, existem vários fatores para o sucesso do calçado de conforto. “O que nos temos apercebido é que o calçado de conforto não sofre tantas oscilações na procura, como o calçado de moda, ou seja, o cliente que procura este género de artigo, não tem problema algum em repetir o mesmo modelo por mais uma, duas ou mais vezes, podendo somente variar o padrão ou a cor. Só por isto, torna-se um artigo muito fácil de vender. A probabilidade do cliente não se sentir bem com este género de artigo é muito reduzida (…). A própria tendência da moda já há algum tempo que aponta para artigos mais desportivos e confortáveis. Todos estes fatores contribuem para o aumento da procura”, diz o responsável pela Plumex.
Também a empresa de calçado Ropar se destaca neste segmento de produto, com as marcas Arcopédico e com a recém criada Easy Walk Experience. “O aumento da procura de calçado de conforto está relacionado com a mudança de hábitos e com o dia à dia das pessoas, sendo uma forma de ultrapassar o stress da correria diária a que se está sujeito. A mentalidade das pessoas tem vindo a mudar e até as marcas de luxo se renderam ao conforto continuando a investir neste segmento. O mercado pede cada vez mais calçado flexível, simples e o mais comodo possível e hoje em dia é possível estar elegante e confortável. O dress code tem vindo a mudar e a preocupação com a saúde dos pés sobrepõe-se aos saltos altos e formas estreitas”, dizem Sílvia Santos e Sílvia Pacheco, da Arcopédico.
Segundo José Moura, da Calsuave “depois de se dissociar a máxima que durou séculos, de que, sapato de conforto não é elegante, procurou-se introduzir na elegância de um qualquer sapato o fator conforto. Dai, até se iniciar uma revolução na forma como se produzem sapatos, o tempo decorreu célere, impulsionado sobretudo pelos Sneakers das grandes marcas internacionais, habituadas a produzir sapatos para diferentes desportos com características muito específicas, e que levaram esse know-how para os Sneakers generalistas que, hoje em dia, qualquer pessoa de qualquer idade compra”.
Mas o que faz um bom par de calçado de conforto? Para Pedro Carlos “há uns anos atrás, responderia, qualidade, boa forma, leveza, elasticidade, boa palmilha de conforto, boa absorção de impacto... Hoje, sem dúvida que a estas características terei que adicionar, design, cores, padrões e acima de tudo, ter em mente que o cliente alvo não é somente dos 50-60 anos para cima, mas também com faixas etárias bem mais jovens”.
Para as responsáveis da Arcopédico, os segredos para um bom par de calçado de conforto são “leveza, flexibilidade, sistemas de ajuste ao pé, solas de amortecimento de impacto, ergonómico, respeitando a largura e comprimento do pé e a sustentabilidade”.
“Quando procuramos um par de calçado de conforto é importante ter em mente três aspectos: o tipo de material de que são feitos, a aderência da sola e, por último mas não menos importante, a dimensão correta do sapato. Em relação aos materiais, é importante privilegiar matérias naturais, respiráveis e amortecedores; a sola deve ser anti-derrapante e o declive da mesma deve respeitar a anatomia do pé. Em relação a tamanho, nunca se esqueça que ao contrário do que é habitual, nunca devemos comprar um sapato baseado apenas na longitude do pé – um tamanho n.º 37 não calça igual num pé saudável ou, por exemplo, num pé com joanete, por isso não são raras as vezes que passamos a vida inteira a calçar um tamanho abaixo do necessário.
“Conforto é um termo muitíssimo complexo, que entre outras características, tem de reunir alguns parâmetros essenciais, como por exemplo, o valor de calce, medido pelo fitting das diversas áreas da forma, a flexibilidade, a absorção do choque ao caminhar, o peso, a distribuição da pisada no plantar e sola, a macieza dos materiais utilizados, entre outros. O conceito de calçado de conforto existe desde os primórdios do ser humano, começando por se desenvolver “sapatos“ manualmente a partir de peles de animais abatidos, que protegessem o pé confortavelmente”, diz José Moura da empresa Calsuave, responsável pela marca Suave.
Mas será este um produto do futuro? Parece que sim. E mais do que isso, um produto de luxo. Prova disso é a aquisição da Birkenstock pelos donos da LVMH. Mas não é só. A marca alemã tem estado envolvida com outras marcas de luxo. Em 2020, por exemplo, foi a vez da Maison Valentino dar um novo cunho às icônicas sandálias.
Sofia Ferreira segue a mesma linha de pensamento. “Acredito genuinamente que o futuro do calçado passará por este tipo de produto, em primeiro lugar porque não são apenas as pessoas mais idosas que procuram conforto e estabilidade para os seus pés, os mais jovens também privilegiam a comodidade quando compram um par de sapatos para utilização diária e em segundo lugar porque o esforço que foi feito pela indústria do calçado em tornar estes produtos esteticamente mais apelativos e joviais convidam todo o tipo de público à utilização de calçado de conforto sem o velho estigma do “feio sapato ortopédico” associado”.
Fernando Bastos Pereira acredita que o conforto é uma tendência que veio para ficar. “Depois dos consumidores conhecerem o que é o conforto, dificilmente voltaremos ao uso massivo de sapatos desconfortáveis”.