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Luís Onofre: Estamos a preparar um verdadeiro choque estratégico

Luís Onofre: Estamos a preparar um verdadeiro choque estratégico

5 Jul, 2022

Qual o estado atual da indústria de calçado? Como vão evoluir os negócios?


Passaram mais de dois anos desde o início da pandemia. Nesse hiato de tempo, o mundo mudou. A Guerra regressou à Europa e tudo o resto passou para um plano secundário. E os negócios? Como ficaram os negócios? Qual o estado atual da indústria de calçado? Como vão evoluir os negócios? O Presidente da APICCAPS apalpa o pulso ao setor. A ler com atenção as próximas linhas.

Já passaram dois anos desde o início da pandemia. O setor já recuperou desse impacto?
Vai demorar algum tempo. O impacto foi profundo. Só no primeiro ano de pandemia, deixaram de ser comercializados em todo o mundo mais de quatro mil milhões de pares de calçado, o equivalente a 70 anos de produção de calçado em Portugal. Afetou-nos a todos. Ainda assim, conseguimos resistir melhor do que os nossos principais concorrentes.

Mas os negócios estão melhores nesta altura?
Naturalmente que os negócios estão nesta fase substancialmente melhores do que no passado recente. Aliás, já exportamos mais nesta fase do que 2019. É um registo significativo. Mas também temos de ser realistas: à pandemia sucedeu-se um conflito inesperado na Ucrânia e vivemos agora num clima de grande instabilidade.

O que mais afeta as empresas nesta altura?
Para começar a própria incerteza. Para um qualquer empresário, não há pior do que a incerteza. Limita-nos a capacidade de intervenção. Ser empresário, nesta altura, é muito difícil.

Depois, temos de andar sempre de calculadora na mão. Os custos das matérias-primas, dos transportes, da energia dispararam, aliás continuam a aumentar todos os dias, o que condiciona muito a nossa atividade comercial. As empresas não podem perder dinheiro. Só criando riqueza podem investir.

Mas, há empresas a perder dinheiro?
Sinceramente, espero que não. Mas também, tenho de confessar que, atendendo ao acréscimo generalizado dos custos, esperava que o preço médio do calçado exportado já tivesse disparado.

E não está?
Não me parece. Até abril, se não me falha a memória, terá aumentado apenas 5%. Já deveria ter aumentado bem mais.



“Ser empresário é uma vocação”




Num plano mais setorial, o que falta às nossas empresas para serem mais competitivas?
Face às alterações profundas no nosso mundo, precisamos de repensar os nossos negócios. O setor do retalho está a ser fustigado e encerraram mesmo milhares de lojas em toda a Europa nos últimos anos. Muitos desses pequenos retalhistas eram nossos clientes. Depois, também o produto mudou de forma muito expressiva, com uma forte predominância de modelos mais desportivos. As vendas online dispararam e, com elas, as mais reputadas marcas ganharam relevância. Também a sustentabilidade veio para ficar. Esta é a grande mudança dos nossos tempos. A sustentabilidade, por si só, justifica um novo choque estratégico.

Foi por esse motivo, que o setor, através da APICCAPS, já apresentou um plano de investimento de 140 milhões de euros?
É o maior investimento de sempre do setor. Se queremos fazer desta indústria uma das mais modernas do mundo, temos definitivamente de passar das palavras às ações. Nos dois últimos anos, reunimos dezenas de vezes com o Governo, envolvemos mais de uma centena de entidades, desde empresas a universidades, passando pelos centros de saber e entidades do sistema científico e tecnológico e vamos investir mais de 100 milhões em dois projetos que consideramos prioritários.

O número de empresas a integrar este plano de investimento está fechado?
Pelo contrário. Em setembro, apresentaremos o nosso Plano Estratégico para a próxima década. Envolvemos dezenas de entidades neste processo. Estou-lhes muito agradecido. Aliás, tenho muito orgulho em pertencer a uma associação que apresenta documentos estratégicos desde os anos 70 do século passado. Não há outra igual.

O que podemos esperar desse plano?
Apenas em setembro o apresentaremos. Ainda teremos uma reunião alargada entre os Órgãos Sociais da APICCAPS e o Conselho Consultivo. Vamos continuar a ouvir as empresas. Já recebemos muitos contributos. Diria que gostaríamos de apresentar um plano ambicioso, mas simultaneamente realista. A partir de setembro, todo o setor será convocado a preparar uma nova década de crescimento. Estamos a preparar um autêntico choque estratégico.


“Temos de regressar em força
 aos mercados internacionais”



Estamos preparados para isso?
Não temos desculpas. Aliás, com o PRR e com o novo Quadro Comunitário de Apoio temos todas as condições de reforçar a posição relativa da nossa indústria à escola internacional. Temos de saber aproveitar esta oportunidade. Mas, para isso, não podemos adormecer. Nesta fase, por exemplo, assistimos a grandes players como a Turquia e o Brasil a investirem em força na Europa. Em Garda, estes dois países chegaram a ter mais de 200 expositores em conjunto. Provavelmente farão o mesmo já na MICAM.  Nós tivemos pouco mais de 20. As nossas empresas, à boleia de um volume anormal de encomendas, estão a desinvestir na atividade promocional externa.

Mas esse não é um cenário perigoso?
Não podemos cometer esse erro. Temos de regressar em força às feiras e aos mercados internacionais.  Temos de começar já a ganhar a próxima década. Creio que temos todas as condições para o fazer: um saber-fazer acumulado, empresas tecnologicamente evoluídas, planos de investimento ambiciosos…

Vamos definir mercados prioritários?
Seguramente que vamos dar muitas pistas. A decisão será sempre das empresas. O mundo é demasiadamente grande para desperdiçarmos oportunidades. Diria que existem no mundo 700 milhões de clientes preferenciais para o nosso calçado. Esses, pelo menos esses, não deveriam ser descurados.
 
“Calçado em couro é um
produto de excelência”

Falou há pouco na necessidade de criar uma nova geração de produtos.  Considera que o calçado em couro está ameaçado?
Não creio. É um produto de excelência. Mas temos muito trabalho pela frente. É importante que a opinião pública perceba que a indústria de calçado, no seu processo, recicla já uma matéria-prima desperdiçada pela indústria alimentar. Depois, somos capazes de produzir calçado de elevada qualidade, duradouro, muitas vezes para a vida...não há melhor produto do mercado.

Dito isto, temos de reconhecer que já um peso excessivo do calçado de couro nas nossas exportações. Mais de 85%. Temos de criar alterativas. É a nossa obrigação. Para isso, teremos de alargar a nossa oferta e, para isso naturalmente, de investir numa nova geração de produtos.


Quais são as maiores preocupações nesta altura?
Uiiii, tantas. Já posso começar a chorar (risos)?
Para começar, a pandemia ainda não terminou. Continuam a faltar muitos colaboradores diariamente nas nossas empresas. Depois, a Guerra regressou décadas depois à Europa. Ninguém pode dormir descansado. Neste cenário, os negócios serão sempre secundários. Mas, não podemos ignorar que os custos dispararam, o abastecimento de algumas matérias-primas complicou-se, temos dificuldades em recrutar profissionais competentes e, mesmo sendo verdade que as exportações estão a crescer mais de 20% este ano, sentimos muitas dificuldades em concretizar os negócios. Teremos meses de grande exigência.  Por isso, temos de ter em atenção todos os sinais de alerta. Para além das questões mais de foro setorial, não podemos igualmente esquecer a inflação descontrolada, as subidas das taxas de juros.


Os empresários estão preparados para isso?
Ser empresário é uma vocação ou um talento. Não está ao alcance de todos. É ser-se empreendedor e ter capacidade de decidir. No final, os sucessos são partilhados por muitos. Mas ser empresário é também sinónimo de muitas noites mal dormidas e sentir o peso da responsabilidade.

Qual poderá ser o papel da APICCAPS nesses casos?
A APICCAPS pode ser muitas vezes determinante para que as empresas possam ter sucesso. Também pode amparar as empresas nos momentos de maior dificuldade. Quem nunca passou pela Associação não imagina o trabalho que se faz nos bastidores. Vou dar um exemplo: este Governo tomou posse e uma semana depois já estava a reunir com a APICCAPS. E a APICCAPS, uma vez mais, fez o que lhe competia: nos bastidores, fez a radiografia do setor e propôs soluções e projetos para as nossas empresas. É essa a nossa missão. Com o Governo, com os sindicatos, em Bruxelas…

“Discurso da Europa é perigoso, demagógico”

Falou de Bruxelas. Ora, o Luís é Presidente da CEC (Confederação Europeia da Indústria de Calçado) e nesta altura discute-se muito o tema da reindutrialização. Que peso tem a indústria de calçado na Europa?
Infelizmente, muito menos do que gostaríamos.  Há 30 anos, a Europa assegurava mais de 30% da produção mundial de calçado. Hoje, representa pouco mais de 3%. Portugal foi o único que não só resistiu, como reforçou a produção, nomeadamente em quantidade. Mas temos de o fazer igualmente em valor. Temos de continuar o esforço de valorizar os nossos produtos.

A APICCAPS tem trabalhado bem essa área…
Sim, tem. Tem mesmo. Mas este é um trabalho inacabado. Tem de ser continuado no tempo. Partimos com uma grande desvantagem relativamente aos nossos concorrentes diretos. A Itália, por exemplo, promove a imagem do seu país desde o Renascimento e continua a fazer investimentos muito significativos nesta área. Seria um erro abrandar esta dinâmica de promoção do nosso setor e das nossas empresas no exterior.


E quanto ao tema da reindustrialização…
Temos procurado sensibilizar a Comissão Europeia. Só faz sentido falar de reindustrialização se existirem igualdades de oportunidades para todos. Nesse domínio, em particular, o discurso europeu é muito ambíguo, diria até que demagógico. Na CEC, nunca defendemos o encerramento de fronteiras, mas antes princípios de comércio livre, justo e equilibrado.  Estamos ainda longe que isso aconteça.

O que se espera do setor nos próximos tempos?
Este ano poderemos ter um dos melhores resultados de sempre ao nível do comércio externo. Acredito nisso e nas nossas empresas. Mas, para isso, temos de regressar em força aos mercados externos e às feiras internacionais. Não podemos deixar que outros ocupem um lugar que tanto nos custou a conquistar.


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