A BoF (Business of Fashion) e a APICCAPS co-organizaram um painel de discussão em Londres
Pelo segundo ano consecutivo, a BoF (Business of Fashion) e a APICCAPS co-organizaram um painel de discussão sobre as crescentes oportunidades para as marcas de calçado e empresas que fabricam em Portugal.
Os eventos dos últimos anos provocaram grandes mudanças no mercado global de calçado. Apesar do crescimento contínuo — em 2025, a receita do mercado global de calçado deverá chegar aos 427 mil milhões de dólares, segundo o Shopify, marcando um aumento anual de 3,4% — a interrupção na cadeia de abastecimento global e as incertezas no mercado sociopolítico persistem.
Com os consumidores a sentirem (ainda) os efeitos da subida histórica da inflação em 2022, as marcas têm enfrentado a pressão dos custos crescentes de produção e envio. Além disso, a pressão regulatória dos órgãos governamentais está a forçar as marcas de calçado a gerirem e a monitorizarem o seu impacto ambiental e social. Novas legislações no Parlamento Europeu vão responsabilizar ainda mais as marcas pelas suas cadeias de abastecimento, proibindo produtos feitos com trabalho forçado e estabelecendo novos padrões ambientais para o design e fim de vida dos produtos.
No entanto, todas estas mudanças trazem oportunidades. Uma colaboração mais estreita entre marcas e fornecedores poderá ajudar a preparar o futuro contra as mudanças legais em discussão. Além disso, produzir mais próximo dos clientes poderá permitir um controlo mais rígido e uma maior rapidez no mercado.
Segundo a pesquisa de CPO da McKinsey, 54% dos executivos esperam aumentar a reshoring ou nearshoring em 2024. Outros estão a pensar em reequilibrar a fonte de abastecimento, procurando múltiplos países.
Para entender o impacto das regulamentações europeias, os benefícios do nearshoring e as oportunidades de crescimento para as empresas e marcas de calçado que fabricam em Portugal, a BoF e a APICCAPS co-organizaram um evento, em Londres, em julho. Apresentado por Sophie Soar, da BoF, o painel de discussão contou com os seguintes palestrantes: Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS; Florence Kollie Raja, diretora da Ethical Era; e Iva Minkova, diretora de coleções da By Far.
Conheça as principais conclusões do painel de discussão.
1. Equilibrar Investimentos em Regulamentação Sustentável com Inovação Técnica
Para Paulo Gonçalves, “o consumo de produtos de moda aumentou nos últimos anos — na indústria de calçado, na última década, a produção mundial aumentou 15% para 24 milhões de pares de sapatos no mundo, com cerca de 90% dessa produção a ser feita na Ásia. Não acreditamos que isso seja razoável ou sustentável”.
O responsável de comunicação da APICCAPS defende, por isso, que “há um lugar no mercado para um pequeno player como Portugal e estamos a fazer o nosso melhor para ser uma referência mundial em termos de sustentabilidade. Para isso, lançamos um Plano Estratégico, investindo 600 milhões de euros até 2030 para desenvolver, entre outros, o o Portuguese Shoes Green Pact; um pacto assinado por empresas que representam mais de 50% da nossa produção, tentando minimizar o consumo de água, uso de energia, embalagens, matérias-primas, rastreabilidade”.
“Estamos também a investir 140 milhões de euros em automação, digitalização e sustentabilidade. Trata-se de investir, do ponto de vista científico, para garantir que otimizamos os nossos processos para criar melhores produtos para o futuro. Cerca de 80 milhões de euros desse investimento dizem respeito ao projeto BioShoes4all, que conta com o apoio da Comissão Europeia e do governo português, apoiado pelo PRR”.
Para Florence Kollie Raja “devíamos equilibrar a regulamentação com a inovação — o que vejo é que estamos a ter uma visão eco-driven e totalitária, mas não estamos a ter em conta todos os elementos em jogo”. A diretora da Ethical acredita que “devemos acreditar numa visão fora de todo o barulho da política e de tudo o que está a acontecer com os consumidores. Temos de responder à pergunta: é possível combinar elementos ambientais e sociais com estética e design?”
Ima Minkova explica, por outro lado, que “assistimos, no TikTok, à criação de microtendência todos os dias. Por outro, há um desejo crescente [do consumidor] por qualidade, por produtos sustentáveis e transparência. Mas leva tempo para integrar novos materiais sustentáveis e para testar e desenvolver I&D”. A diretora de coleções da By Far defende que “pensando em toda a cadeia de valor para as marcas, pode ser uma armadilha responder a essas microtendências e acredito que a indústria de moda do Reino Unido sempre gerou talentos e marcas que têm identidades muito fortes que não precisam necessariamente de responder a essas tendências”.
Paulo Gonçalves acredita que “há muito potencial no nearshoring, porque podemos reduzir os custos logísticos, o que significa que podemos aumentar a flexibilidade”. Além disso, explica que “o nearshoring permite uma melhor controlo do produto, redução da pegada de carbono, e podemos até começar a produzir menos e reduzir o stock, porque um dos maiores problemas na nossa indústria é que todos estamos a produzir grandes quantidades, e as lojas ficam cheias de stock que não conseguem vender”.
Para Ima, “quando falamos sobre produção próxima do consumidor, atualmente, as marcas vendem mundialmente [então o consumidor é global]. Mas, para mim e para as marcas com quem trabalhei, é fundamental que a produção seja o mais próxima possível de nós e dos nossos estúdios de design — porque um sapato é composto por muitos elementos diferentes”. Além disso, “é imprescindível estar em parceria com o centro de atividade onde temos os nossos produtores localizados, numa lógica de cluster: estar perto do produtor de formas, do fabricante de saltos, do produtor de solas (…) porque todos esses elementos precisam de encaixar perfeitamente. Trata-se de ver as pessoas cara a cara, poder explicar o nosso propósito, e receber de volta o conhecimento delas”.
Além disso, continua a responsável e coleções da By Far “(...) é também necessário ser capaz de contabilizar as atividades em termos simples — de onde vem o fornecimento de energia? Qual é a procedência e o conteúdo das fibras do material que estamos a usar para determinada produção? Porque não queremos usar certo produto químico?
Para Florence, a questão que se impõe às marcas é “qual é a nossa visão na indústria? Qual é a nossa visão como empresa? É preciso mantermo-nos autênticos”. Por outro lado, “estamos a caminho para um mundo de colaboração intersetorial, reunindo diferentes mentes. Mas, como combinamos a estética e a beleza do que a parceria representa, ou o que fazemos no espaço da moda junto com o design?”.
Para Ima, “é no processo [de produção] que se encontra o valor da marca. Temos de ser capazes de mostrar como o produto é feito — não apenas [mostrando que] é feito sob condições seguras, mas que há tanta beleza [a ser encontrada] em todo o processo — a costura e o polimento. As parcerias podem ser uma estratégia vencedora porque temos o know-how, temos a tecnologia. [...] as marcas, os designers, trazem com eles uma visão fresca”.
Para Paulo Gonçalves, “as parcerias podem ser uma estratégia vencedora, porque temos o know-how, temos a tecnologia, temos as capacidades para desenvolver novos produtos. E, na maioria das vezes, as marcas, os designers, trazem com eles uma visão fresca, novos conceitos e novos produtos. Quase 80% da nossa produção vem diretamente de marcas internacionais, então temos a experiência necessária para trabalhar com marcas internacionais, mesmo nos segmentos de luxo”.
A título de exemplo, “no evento co-organizado com a BoF no ano passado conheci a designer de moda Bianca Saunders e falamos sobre a possibilidade de desenvolver a primeira coleção de calçado. Convidamos a Bianca a viajar para o Porto, para conhecer a nossa indústria. Há um mês, a Bianca apresentou pela primeira vez a colaboração — uma coleção de seis sapatos distintos na Paris Fashion Week”.