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Diário de um confinamento: Dulce Cardoso

Diário de um confinamento: Dulce Cardoso

8 Fev, 2021

Dulce Cardoso, Jobel


As pessoas foram a primeira preocupação de Dulce Cardoso quando a pandemia começou. Manter a equipa em segurança foi a prioridade. A responsável pela Jobel acredita que, nesta fase, as previsões devem ser feitas dia-a-dia.


No ano que findou, as empresas foram testadas ao limite. Que soluções encontrou para minimizar os efeitos da pandemia?
Desde o primeiro momento, a minha grande preocupação foi a equipa. Logo em março, e perante os acontecimentos na Europa, o foco era proteger, formar e informar,  com rigor e transparência. Implementámos de imediato um plano de contingência interno, desenvolvido com base nas informações que eu absorvia das notícias e dos artigos científicos (essencialmente britânicos). Este plano, apesar de parecer demasiado exigente à data, veio verificar-se absolutamente semelhante aos institucionalmente implementados meses mais tarde.

As empresas são feitas de pessoas e para pessoas, portanto tive sempre uma postura “cuidadora” perante a minha equipa. Conscientemente, não valia a pena ter encomendas se não tivesse as “minhas pessoas” bem. A mão-de-obra na nossa área é muito especializada, quase não existem operadores indiferenciados e portanto humanamente e profissionalmente, manter a equipa sã, motivada e calma foi a minha prioridade.

Depois do primeiro lockdown, materializou-se o problema efectivo da redução/anulação de encomendas e portanto da viabilidade da empresa. Era preciso arranjar soluções, encontrar caminhos. Estávamos a produzir viseiras, mas não para comercializar. Apesar de termos feito milhares de unidades, nunca vendemos nenhuma. As solicitações eram tantas, e de instituições de frente de linha, que cobrar parecia quase imoral. Encontrar oportunidades na pandemia era imperativo, mas não valia tudo. Nunca vale tudo.

Assim, optámos por três caminhos distintos: reestruturar a equipa, procurar áreas de negócio fora do calçado e apostar no mundo digital. A reestruturação da equipa consistiu numa ligeira redução quantitativa, mas essencialmente foi baseada no salto qualitativo de cada colaborador. A flexibilidade foi o mote. Com o receio de um surto interno, entendi que todos teriam de saber fazer de tudo, e iniciámos juntos este desafio. Descobrimos novos talentos, novas dinâmicas, novos processos e passado quase 1 ano, tenho uma equipa de técnicos motivados e não de operadores limitados. São o meu orgulho!!!

Também a procura de áreas de negócio fora do setor tem sido uma aventura interessante. A minha empresa tem várias valências tecnológicas e perceber que a adaptabilidade a outros mercados é real, tem sido muito satisfatório. Evidentemente que as parcerias não se constroem em dois dias, muito menos perante o cenário que se vive, mas as oportunidades existem e realizam-se.

Relativamente à área digital, investimos no marketing de comunicação mas também na relação com o cliente, criando plataformas de trabalho virtuais. Estando a JOBEL numa realidade B2B, não esperava tanto retorno do mundo digital, mas tenho de admitir que tem sido uma experiência agradavelmente positiva. Paralelamente a todos estes procedimentos, a união com os nossos parceiros de negócio tem sido importantíssima para minimizar os efeitos nefastos desta pandemia. Estou muito grata.   

Que avaliação faz às medidas apresentadas pelo Governo?
De forma pragmática, entendo que as medidas do Governo se dividem em duas grandes áreas dentro da gestão pandémica: a área social e a área económica.

Na área social, o Governo esteve muito bem no início da pandemia. Aliás, fomos fortemente aplaudidos pela comunidade internacional. As medidas foram preventivas, contundentes, rápidas e o comportamento dos portugueses  foi o espelho disso.
Aliás, a meu ver, os comportamentos massivos de um povo em democracia são sempre o reflexo do seu Governo. Desta forma, quando o Governo relaxou, no final de 2020,  quando entendeu ser mais popular embora menos prudente, os portugueses relaxaram também.

O país ficou convertido ao excesso de confiança demonstrado pelos governantes e à exagerada esperança colocada numa vacina, que sendo efetiva, não chegaria a todos com a velocidade, certeza e eficiência com que recebemos a água da chuva ou a luz do sol. E assim passámos dos bons aos maus resultados.

Na área económica, a minha experiência no terreno, como líder de uma PME, é desoladora. Sinto-me absolutamente surrada pelo meu Governo. Sou como uma indigente sem direitos mas com mil deveres. Sendo o tecido empresarial das PME´s, o maior motor de contribuição fiscal, de exportações e da criação de emprego, não consigo conceber e enquadrar as medidas que nos disponibilizam. O sentimento é de solidão numa luta sem precedentes, onde cada um está por si.

A OCDE coloca Portugal como o segundo país, num universo de 40, com maiores danos económicos previstos até ao fim de 2021. Mas depois vem o FMI e coloca Portugal como a nona economia, num universo de 50, com menos medidas de apoio direto. Ora, esta antítese é a confirmação real das constatações in locco. Não me refiro apenas ao nosso setor, as medidas aplicadas ao setor da restauração comparativamente aos outros países da Europa são, no mínimo parcimoniosas, usando um eufemismo simpático.

Entendo que Portugal saiu recentemente de um regaste, não houve ainda tempo de recuperação total… saber que a nossa divida pública este ano será 135% do PIB é assustador, mas não será mais assustador a castração dos motores económicos reais?

Note-se que a crise instalada não provém de motivos estruturais, portanto a prioridade deveria ser manter o tecido empresarial minimamente vigoroso para a retoma pós-pandemia. Quanto maiores e mais profundas forem as cicatrizes deixadas na capacidade produtiva do país, mais tempo demorará a recuperação económica. Serão muitos  anos, mesmo décadas.
Portanto, penso que há demasiada timidez e passividade por parte do governo. Há fantasmas recentes que levam à hesitação na contração de dívida pública. No entanto, se esta postura não mudar entraremos numa recessão sem precedentes.
 
Que expectativas tem para o ano de 2021?
Apesar de me considerar uma mulher de estratégias a longo prazo, nesta pandemia aprendi a expectar o dia a dia. Gerir a ansiedade e manter o equilíbrio perante um contexto que desconheço e não controlo, foi desafiante. Portanto, as minhas expectativas são apenas para o próximo mês. Fora isso, não tenho expectativas, mas tenho uma certeza: no início de 2022, a JOBEL estará adaptada e firme neste desafio.  
 
O que tem a indústria portuguesa para oferecer aos seus clientes?
A indústria portuguesa tem de tudo para oferecer aos seus clientes. Somos um país pequeno mas maravilhoso. Fora os recursos naturais com que fomos abençoados, temos uma capacidade criativa e capacidade tecnológica com provas dadas. Já não somos o país com mão de obra barata e ótima localização geográfica, somos muito mais. A  indústria portuguesa abriu os braços à globalização e tornamo-nos num  país competitivo a nível de desenvolvimento e design. Foram vários os setores que evoluíram neste sentido.
A meu ver, o nosso handicap está apenas na baixa produtividade, mas penso que se os empresários implementarem as medidas corretas, isso será contornável.
De referir ainda que, agraciados pelas potencialidades turísticas e pelo nosso cariz acolhedor, estabelecer relações comerciais é para nós muito fácil.
 
Este ano, o nosso país começa a beneficiar de um pacote extraordinário de medidas de apoio, a famosa «bazuca europeia». Que expectativas tem relativamente a esse pacote de medidas?

As minhas expectativas seriam excelentes se os apoios fossem geridos por uma entidade externa, uma espécie de Troika mas em formato “polícia bom”. Está visto que a Europa está com uma perspetiva mais lúcida relativamente à alavancagem económica.
Se forem  geridos em exclusivo pelo governo Português, as minhas expectativas serão muito baixas. Pois, para além de termos um governo com excessos de cautela, temos também uma cultura de “chico espertismo” assustadora.
Na situação actual, e apesar dos apoios serem poucos, para muitos até são de mais. É olhar para o lado e ver quem pode reter mais por menos.
Até agora, penso que o problema base dos apoios não foi propriamente os fundos per si, mas a falta de coordenação e controlo na distribuição. Entendo que para o poder governamental o desafio é imenso, mas a eficácia na resposta aos desafios é que prova o valor das pessoas que constituem o nosso quadro de liderança.
 
 
Se do ponto de vista do negócio, o ano de 2020 foi particularmente difícil, o que mudou na sua vida pessoal nestes últimos meses?
Ora vejamos… Em boa verdade, não me lembro de ter tido vida pessoal nos últimos meses!
Se profissionalmente a exigência foi enorme, particularmente não foi diferente. Este ano resumiu-se à contínua reorganização da minha logística familiar de forma a adaptar tranquilamente os meus pais e filhos às novas realidades que têm surgido.
Com tantas incertezas e mudanças não sobra espaço/tempo para a empresária, mãe e filha ser “pessoa”…estou em modo “stand-by pandémico”.
 
Saudade foi a palavra eleita pelos portugueses para resumir o ano der 2020. De que sente mais saudades?
A nível particular, tenho saudades do Porto: dos espaços culturais, dos restaurantes, da alegria nas ruas e ladeiras da baixa a qualquer hora do dia ou da noite.

A nível profissional tenho saudades das iniciativas do “Jobel em Movimento”…  é um espaço não físico onde a equipa da JOBEL dinamiza várias atividades que permitem a nossa convivência muito para além das solas. Entre muitas outras coisas, sinto falta da happy hour das sextas ao fim da tarde no nosso jardim. Sinto falta da descontração extra laboral… de nos rirmos juntos e eu conseguir ver o sorriso deles sem máscaras.


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