Começa hoje a nova rubrica: diário de um confinamento
Orlando Soares é um empresário de referência no setor de artigos de pele e marroquinaria. Defende que os negócios ainda vão piorar antes de se iniciar uma recuperação efetiva. Sente falta de viajar e dos contactos mais próximos.
Procuramos desenvolver várias medidas. A nível comercial, considerando a nossa tipologia de artigo (“slow fashion”), a nossa estratégia baseou-se em garantir stock disponível no imediato aos retalhistas e/ou distribuidores das nossas marcas. A grande razão foi a constatação de que os clientes retalhistas e distribuidores não queriam assumir compromissos de encomendas a prazo logo, a ideia foi dizer-lhes “estamos prontos com stock para quando for preciso” para estarmos na linha da frente na retoma.
A nível financeiro, recorremos às moratórias e às Linhas de Crédito COVID. A nível dos quadros da empresa, recorremos ao Lay-Off Simplificado e ao sucessor “Apoio Extraordinário à Retoma”.
Que avaliação faz às medidas apresentadas pelo Governo?
Como positivo registamos as Moratórias e o Lay-Off Simplificado. Como negativo registamos alguma falta de visão a longo prazo da situação da maioria das empresas.
Se é um facto unanimemente aceite que as empresas portuguesas estão demasiado endividadas e com um nível de Capitais Próprios muito baixo (existe em Portugal a noção que a única fonte de financiamento é a banca – o que é um fenómeno quase único na Europa), a solução para uma situação catastrófica como esta não poderia passar exclusivamente por mais “endividamento”, nomeadamente para empresas já no limite de endividamento.
Deveriam ter-se considerado fontes alternativas de ajuda e financiamento às empresas, soluções mais estáveis e mais saudáveis e acima de tudo que não comprometessem a capacidade de investimento das empresas e dos setores.
Porque se as empresas portuguesas estiverem sem investir durante 4 ou 5 anos para pagar o endividamento excessivo agora assumido, daqui a 10 anos haverá setores inteiros que vão desaparecer pois não estarão à altura das exigências do mercado pois só uma continua capacidade de investimento das empresas lhes assegura a competitividade e o sucesso futuros
Nas medidas até agora tomadas não se vislumbrou essa preocupação o que constitui um grave erro estratégico e que pode custar muito caro ao país no futuro
Que expectativas tem para o ano de 2021?
Na empresa assumimos que haverá uma melhoria palpável a partir do Verão em termos globais.
No 1º semestre pensamos que as coisas vão piorar e provavelmente atingir o pico depressivo desta pandemia – pelo menos em termos sanitários o que inibe uma boa parte da atividade económica, nomeadamente o mercado retalhista.
Ou seja, pensamos que a situação vai piorar antes de melhorar - embora no caso particular da nossa empresa tenhamos assegurado um bom 1º trimestre as perspetivas para os meses subsequentes são más.
O que tem a indústria portuguesa para oferecer aos seus clientes?
Proximidade (no caso da Europa, qualidade, flexibilidade (resposta rápida, quantidades mínimas baixas, grande portfolio técnico) e confiança (baseada em qualidade técnica e sanitária)
Este ano, o nosso país começa a beneficiar de um pacote extraordinário de medidas de apoio, a famosa «bazuca europeia». Que expectativas tem relativamente a esse pacote de medidas?
Os valores globais são muito elevados e podem proporcionar uma oportunidade única para revitalizar as empresas e com isso a economia do país – os princípios definidos parecem coerentes e claros mas mais uma vez a grande questão passa por saber se vai haver medidas realmente alternativas ao habitual “mais financiamento, mais endividamento, menos capacidade de investimento, mais endividamento…. “
Os valores dedicados às empresas parecem menores do que deveriam ser considerando que as empresas são o grande motor da economia. O investimento publico é necessário mas se a “bazuca” se esgotar em investimento publico nada irá mudar estruturalmente no tecido industrial e poderá ser uma oportunidade perdida.
Em resumo, deverá haver uma aposta clara e indiscutível na industrialização do país, criando condições reais para que empresas industriais assumissem a liderança da recuperação económica. O Turismo e a Construção Civil/Investimento Publico têm sido tradicionalmente as áreas privilegiadas na atribuição de Fundos Comunitários e nunca houve uma real aposta na industrialização do país.
Se nada se alterar com a chegada da “bazuca”, ficaremos mais uma vez a olhar para países como a Alemanha ou a Bélgica, sempre muito admirados com o sucesso desses países não relevando que a base das suas economias saudáveis é a forte industrialização.
Como exemplo negativo podemos pensar na Grécia que ainda não recuperou da crise da “troika” porque a economia grega não teve capacidade de reacção à crise – acima de tudo porque não tem indústria….a economia grega assenta no turismo e no comércio naval e os resultados estão à vista.
Os setores de Turismo bem como a Construção Civil e as Obras Publicas terão sempre capacidade de atração de investimento pois no caso dos dois primeiros são muito alavancados pelo mercado e têm numerosas fontes de financiamento e o Investimento Publico será sempre alavancado diretamente pela co-participação europeia nas grandes obras.
O setor industrial (e o setor agrícola igualmente…) é que necessita verdadeiramente de uma “bazuca” para alterar o seu perfil e dar um salto de competitividade tornando-se um dos motores (preferencialmente o maior motor) da economia nacional.
Se do ponto de vista do negócio, o ano de 2020 foi particularmente difícil, o que mudou na sua vida pessoal nestes últimos meses?
Para quem fazia viagens constantemente, estar há um ano sem viajar é estranho. O “frenesim” diário é menor, mas aumentaram as preocupações.
Há muito mais “ecrã” em todas as facetas da vida e, infelizmente, menos contactos familiares…
Saudade foi a palavra eleita pelos portugueses para resumir o ano der 2020. De que sente mais saudades?
Estar com família e amigos “à vontade”…… e viajar