Que oportunidades se vislumbram no horizonte das empresas portuguesas?
Para o setor da moda, 2020 não deixou saudades. E 2021 teima em arrancar. Os indicadores económicos oscilam, as precisões são moderadas e até empresários experimentados, como Fortunato Frederico, que já enfrentou várias intempéries, não arriscam na recuperação. “Conforme os efeitos nefastos da pandemia na economia se forem dissipando, ainda que de forma mais passada, a economia irá caminhando para uma nova realidade”, defende o fundador do grupo Kyaia. Um futuro que dependerá de “uma mudança de paradigma”, passando a indústria de um período de desenvolvimento de produtos massificados “para um ciclo em que a primeira prioridade passará sempre pela sustentabilidade”. Até lá, importa “aproveitar as falhas de mercado que forçosamente surgirão no rescaldo da pandemia”.
Domingos José, da Centenário, assegura que “embora não seja pessimista por natureza”, acredita que “o efeito da pandemia se vai prolongar por tempo indeterminado até que vacinação massiva consiga alcançar a imunidade”. Por conseguinte, o regresso à normalidade será “lento” e, porventura, “mais visível no segundo semestre do próximo ano”. Na mesma linha de pensamento, Pedro Coelho, aguarda pela “imunidade de grupo” para um juízo final. “Duvido que no final o comportamento das pessoas seja idêntico ao do passado recente”, sublinha o responsável da Tofel.
Expectante está José Sottomayor, da Soprefa, empresa especializada no fabrico de viras. “Se chamarmos normalidade ao número de pares que comercializávamos até 2019, acho que não atingiremos esse valores antes de 2023 ou mesmo 2024”. “Isto se alguma vez lá chegarmos”, na medida em que todos, sem exceção, “partimos do princípio que não teremos outra pandemia ou crise económica que nos volte a estragar as previsões”. Nesta fase, há ainda muitas variáveis que não se domina. “São muitas as incertezas”, lamenta. Sottomayor acredita, ainda assim, que “o setor do calçado de couro e de maior valor acrescentado, vai ser o primeiro a retomar”, uma vez que “a queda do consumo nesta fase foi muito expressiva”.
Feitas as contas, calculados os imponderáveis, o responsável comercial da Soprefa antevê “uma retoma lenta, com as bolsas mais desfavorecidas a sentirem a crise por muito mais tempo”. “Acredito que, na nova normalidade, assistiremos à emergência definitiva da sustentabilidade”, em que “reparar, reutilizar e reciclar serão valores que ficarão enraizados no consumo pós -pandemia”. Já as empresas portuguesas terão de potenciar “o know how acumulado e a tecnologia avançada existente”, porque “ainda que seja difícil chegar ao patamar de Itália, podemos fazer bem melhor”. O caminho hoje é mais curto, basta recordar “o trabalho notável feito nas últimas décadas”. No imediato, há que explorar os novos canais de comercialização. “As marcas portuguesas devem apostar, a sério, no comércio online suportado pelas pelas diversas plataformas de venda que estão a proliferar no mercado”.
Pedro Viera vislumbra “sinais ténues de melhoria”, ainda que “os retalhistas estejam muito apreensivos relativamente ao futuro, efetuando as suas encomendas de forma muito moderada, o que se reflete numa grande redução nas compras e, consequentemente redução da faturação”. Para o homem-forte da MLV Portuguese Shoes “é expectável que o panorama apenas tenha melhorias significativas no início do próximo inverno”.
“O know-how e qualidade de produção a que já habituaram os mercados” são, na ótica de Pedro Vieira, os grandes argumentos competitivos de uma indústria portuguesa de calçado que “se especializou em assegurar uma resposta rápida, com pequenas produções”. Uma estratégia que, “num momento de crise, se tornou muito atrativa, pois o retalho não aposta em grandes volumes, mas precisa de reposições de stock rápidas”. Já do ponto de vista industrial, “este modelo de negócio, até porque Portugal não pode concorrer com países com capacidade produtiva superior, nem sempre é atrativo para os fabricantes, pois isso implica trabalhar na expectativa de novas produções para reposição e ficam obrigados a uma maior flexibilidade na linha de produção”.
De futuro, as empresas têm de investir nos dois canais, o tradicional retalho, e o digital. “Nos dias de hoje é impensável não ter uma presença digital, mais que não seja para continuar a comunicar a marca e mostrar ao retalho que cá continuamos para os servir”.
Já Tiago Henriques acredita “numa rápida recuperação, assim que a pandemia esteja controlada e deixe de afetar a vida quotidiana dos principais mercados do nosso setor”. O responsável da Lusocal recorda que “a pandemia implicou dificuldades de abastecimento às marcas que asseguravam a quase totalidade da sua produção na Ásia”, facto que “poderá contribuir para a diversificação dos players internacionais do setor”. Uma oportunidade que poderá beneficiar “as empresas portuguesas que têm como vantagem competitiva na combinação de qualidade, flexibilidade e tempo de resposta”.
De futuro, acredita Tiago Henriques que “a crescente consciencialização ambiental e a emergência climática representam, em simultâneo, a maior oportunidade e a maior ameaça às nossas empresas. É uma oportunidade para quem souber modernizar-se e acompanhar esta preocupação, desenvolvendo produtos ou serviços inovadores que minimizem o impacto ambiental da sua atividade e do nosso calçado, e é uma ameaça para quem não acompanhar essa mudança”.
“Flexibilidade, disponibilidade total com a máxima capacidade de resposta em sintonia com os clientes, aliado a uma invulgar criatividade e inovação” serão, do ponto de vista de Pedro Coelho, os alicerces do futuro. Domingos José acrescenta que “o efeito da pandemia na economia vai obrigar a mudanças nos negócios e sobretudo a novos reposicionamentos geográficos, podendo mesmo beneficiar alguns países europeus como Portugal em detrimento dos players asiáticos”. “Competir-nos-á revelar capacidade de ser cada vez mais rápidos na resposta, mesmo a encomendas de pequenas séries, e cumprimento dos prazos de entrega”, defende o responsável-máximo da Calçado Centenário. O homem-forte da Tofel recorda, ainda, a importância de “aproveitar nichos de mercado e investir no reforço da presença no universo digital”, aproveitando uma vaga de crescimento que parece não querer abrandar.