"Trabalhar com uma câmara à frente quer dizer que muita gente vai ter acesso àquilo que aquela lente está a captar. E isso, eu sempre tive essa noção de responsabilidade em relação a isso".
Hoje é um dos rostos mais consagrados da televisão portuguesa. Mas quem é Filomena Cautela? Apresentadora, atriz, humorista, que paixões a movem e que causas defende?
PG - Filomena, mais de um milhão de portugueses assistiram em direto à entrevista de emprego feita pela SIC, nos Globos de Ouro. Já antes tinhas “recebido” um beijo na boca da patroa da TVI. Queres-nos explicar essa paixão com a RTP para resistires a tanto assédio (quer por parte da SIC e da TVI)?
FC - Sabes, não saem por mais que se esfreguem, é horrível. Nem com bicarbonato lá vai. Sim, o que é que mantenho? Acho que mantenho um bocadinho a responsabilidade do que é esta profissão. Eu acho que tinha muita noção quando comecei a trabalhar do que é este ofício, seja a trabalhar como a atriz, seja a trabalhar…Trabalhar com uma câmara à frente quer dizer que muita gente vai ter acesso àquilo que aquela lente está a captar. E isso, eu sempre tive essa noção de responsabilidade em relação a isso. E tinha muito mais, aliás, antes. Agora sei que consigo esticar o perímetro da coisa e esticar a corda aqui e ali, mas eu tenho muitos limites àquilo que faço, e sei muito bem a responsabilidade que é estar aqui.
FC - Olha, eu sinto-me confortável como intérprete, isto é, eu sempre trabalhei como atriz, continuo a trabalhar como atriz, só que se calhar em formas menos mainstream, portanto, se calhar as pessoas não têm essa noção, e como apresentadora eu sinto-me muito confortável. Eu quando comecei a trabalhar tinha muito medo da precariedade do setor - eu não vivia nada bem com não saber se tinha um cheque no final do mês, e se não sabia se tinha dinheiro para comer, não vivia nada bem com isso. E, portanto, a ideia de que eu posso apresentar televisão, usar a minha formação de atriz para apresentar televisão e, ao mesmo tempo, ter o privilégio de poder escolher os trabalhos que posso fazer como atriz para mim é o sítio mais fixe.
FC - Eu não sei se sou uma pessoa de causas, eu sei que já fui uma mulher de causas com uma metralhadora na mão, e que eu metralhava para todo o lado, e agora eu sei escolher os meus focos. E eu sei que nós trabalhamos no serviço público, nós temos o direito e o dever de perceber que as pessoas que nos estão a ver, o conteúdo que nós estamos a dar não pode ser oco, não pode ser vazio. O meu charme não é suficiente.
FC - Não sei se sou de causas, mas eu sei que hoje em dia se nós temos acesso a uma quantidade brutal de informação no nosso telemóvel, muitas vezes com fontes que não valem um chavelho, e que são mentirosas, e que são manipuladoras, então, nós no serviço público temos o dever de nos rodearmos de fontes fidedignas, de pessoas que trabalham para dizer a verdade, verdades que mudem a vida das pessoas. Nós não estamos num momento muito fixe no mundo, não estamos mesmo, não estamos. E estamos a caminhar para um sítio catastrófico e, portanto, se toda a gente está a ver este caminho, se estamos todos… Nós todos sabemos o que está a acontecer nas alterações climáticas, nós todos sabemos o que está a acontecer na desigualdade económica, nós todos sabemos isto, temos é que viver, senão acordamos de manhã e começamos a chorar e deitamo-nos pela janela. Ora, se nós temos privilégio de conseguir pensar sobre o assunto e não temos dez filhos para alimentar e um ordenado mínimo ao final do mês, se temos o privilégio de poder pensar sobre aquilo que está a acontecer, também temos o dever de tentar ajudar a que coisa ande para um caminho um bocadinho melhor.
FC - Eu não sou nada a favor daqueles que defendem que no humor só se devem falar de temas importantes. Há uma fatia de humor que serve, e bem, apenas para rir. Rir é ótimo, é terapêutico, faz bem, é importante e, portanto, é muito bom. Eu acho que na minha posição há muita gente que faz muito bem, muito bem, isso. Temos em Portugal a sorte de ter humoristas que fazem rir muito bem. Eu consegui encontrar um espaço em que, os programas a que me dedico agora, possam fazer rir.
FC - É curioso porque foi dos poucos programas da minha vida em que a proporção entre as críticas e os elogios era tão, mas tão, tão, divergente, que eu não posso responder à tua perguntar a dizer sim. Por uma razão simples, porque era mesmo divergente, porque acho que o feedback foi absurdamente positivo. Eu seria cínica a dizer o contrário. Mas há outros projetos que eu fiz, em que fui muito criticada. São duas faces da mesma moeda, são, quando nós estamos em frente a uma câmara ou temos exposição publica é evidente que estamos a dar a boca do lobo. Infelizmente, hoje em dia qualquer pessoa tem ligação à internet pode dizer tudo o que quiser a teu respeito. E a lei permite que as pessoas sejam cruéis, más e às vezes até criminosas na forma como se expressam.
FC - Não tenho. Tinha quando tinha 17 anos, tinha muita ambição de ir lá pra fora trabalhar, agora não tenho. Não tenho porque acho que o campo onde me ando a mexer, ando a jogar, é fixe, é amplo, dá-me liberdade, dá-me liberdade para eu poder criar e dá-me liberdade para eu mexer na vida das pessoas e tentar ter uma influência positiva na vida das pessoas. Mais do que isso não posso pedir. Não tenho nenhuma ambição para ir lá para fora.