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Entrevista com Ana Roncha

Entrevista com Ana Roncha

22 Ago, 2019

É portuguesa e trocou Portugal por terras de Sua Majestade há sete anos. À pergunta de “Porquê Londres?”, responde que entre todos os mercados, acredita que é aquele o que apresenta maiores desafios e oportunidades. Atualmente, Ana Roncha é diretora do mestrado de Marketing Estratégico de Moda na London School of Fashion. Apaixonada pela indústria, vai mais longe no raciocínio: “o que mais me fascina é a forma como usamos a moda como expressão pessoal”.
Conversamos com Ana Roncha à margem da conferência O Futuro da Moda. Que tendências vieram para ficar? Que desafios são impostos às empresas? De que forma a indústria se pode adaptar? Conheça as respostas.

Na London School of Fashion há uma preocupação em cruzar o ensino com a indústria. O futuro passará pela ligação entre estas duas realidades?
Sem dúvida. Acho que aquilo que fazemos bem na escola, e que deve ser replicado, é aliar o ensino à indústria. Por exemplo, de quatro em quatro anos temos uma renovação dos conteúdos do curso. Depois de termos debatido esse assunto, juntámos na mesma conversa os alunos atuais, outros que passaram pela escola, até pessoas ligadas à indústria, como designers e marcas premium. Isto faz com que os conteúdos sejam adaptados às necessidades reais do mercado.

Que principais mudanças estão a acontecer na indústria da moda?
Podemos dividir essas alterações em três grandes vetores. Começamos com as transformações de cariz social, principalmente focadas na sustentabilidade. Em segundo lugar, destaco as mudanças que estão a acontecer ao nível do consumidor. Este facto é muito relevante, quando falamos de negócios B2C. O consumidor atual é diferente do que era há 10 anos. É um consumidor com expectativas muito elevadas, que gosta de se envolver com a história da marca e que está disposto a pagar por produtos personalizados.
Por último, destaco a questão tecnológica, que provocou uma mudança sistémica no setor. É necessário entender que o cliente já se relaciona diretamente com as marcas.
Há questões que se tornam fulcrais em termos de tecnologia. Por exemplo, Big Data, inteligência artificial ou chatbots são novas realidades a que as empresas se devem habituar.
Mas impõe-se outra questão… onde é que estas mudanças nos levam? Basta analisar a transformação dos modelos de negócios. Não podemos continuar a pensar em ‘business as usual’, porque isso deixou de fazer sentido.
A melhor forma de analisar o estado atual do setor é ver as três empresas unicórnio na indústria, em 2018 (avaliadas em mais de 1 bilião): Farfetch; Rent the Runway e Glossier; todas as plataformas virtuais. Por um lado, prolifera o crescimento das plataformas virtuais de venda. Por outro, começam a surgir novos modelos de negócio; neste caso assentes no resale (revenda).

De que forma é que empresas mais pequenas se podem adaptar as estas transformações?
Atualmente, regemo-nos por um novo modelo de pensamento que deve ser transversal a todas as áreas e a todo o tipo de empresas, sejam de dimensão média ou grande: o pensamento start up. Este tipo de mentalidade é essencial para que as empresas se mantenham ágeis e flexíveis.
Hoje em dia não há um consumidor único, não há um mercado único. É essencial que se defina e se conheça em profundidade o mercado geográfico onde se vai atuar. É muito relevante que se estudem as questões culturais, sociais, económicas (para evitar choques e crises) e perceber quem, de facto, é nosso consumidor, o que compra, como se relaciona com a marca, o que procura, etc.

Muito se tem escrito sobre a sustentabilidade na indústria da moda. Estamos perante um conceito ou uma realidade?
No início, tudo começou como uma tendência de nicho. Rapidamente, este tema tomou conta do negócio numa escala nunca esperada. E os dados comprovam que continuará assim. Daqui a cerca de 10 anos, o mercado de resale será maior do que o retalho fast fashion.

A sustentabilidade é uma das grandes tendências do momento. Por muito que falemos em tecnologia e em todas as suas aplicações, as questões relacionadas com a sustentabilidade e com a proteção do planeta não podem ser esquecidas. Atualmente, os consumidores esperam que as marcas assumam posições que vão de encontro com os seus próprios valores.
No entanto, o tema da sustentabilidade é muito maior do que: “quem fez as minhas roupas?”. Esta temática está alavancada em questões de índole muito mais cultural e de uma preocupação genuína do consumidor em conhecer toda a cadeira de valor de um produto.
Num sentido mais alargado, a sustentabilidade pode ter dois grandes impactos. Por um lado, na transparência. As marcas devem estar dispostas a partilhar onde produzem as peças, em que fábricas e em que países. É fundamental que este tipo de informações esteja disponível. Por outro lado, este tema está a ter um grande impacto nos modelos de negócios. A título de exemplo, e como se pode ver nas empresas unicórnio em 2018, as plataformas de revenda (em segunda mão) ou de aluguer de roupa estão a crescer. Isto é um sinal da preocupação e da responsabilidade com o planeta e com a redução do consumo.


“O consumidor espera que as marcas assumam posições que vão de encontro com os seus próprios valores”.

E a moda portuguesa? Existe uma identidade coletiva que está em crescimento?
Cada vez mais há um reconhecimento da moda portuguesa e alguns criadores, por exemplo, já se impõem de uma forma muito interessante nos mercados externos.
Eu acho que começa a existir uma identidade nacional. Portugal sempre foi muito orientado para uma lógica de negócio B2B e aí somos excelentes. Apresentamos rapidez, flexibilidade, respostas personalizadas e qualidade.
Em termos de B2C, o negócio é completamente diferente. O mercado interno nacional é pequeno e, como tal, é necessário que as marcas tenham capacidade de expansão internacional. E o grande problema da internacionalização é que requer altos níveis de investimento, além de uma estratégia consertada e conjunta para conseguir vingar.
Sem dúvida que com a profusão do digital é mais fácil criar uma marca. Não sendo um processo fácil, naturalmente é mais simples do que há 20 ou 30 anos. O mais difícil, depois, prende-se com a capacidade das marcas escalarem. As marcas devem ‘dar o salto’. E para que isso seja possível, são necessários programas de mentoria, incubadoras, aceleradoras e estruturas consertadas de apoio às marcas.

O Reino Unido é um mercado apetecível para as empresas nacionais?
À luz da incerteza do Brexit, o Reino Unido é e continua a ser um mercado extremamente atraente para as nossas empresas. Além de consumir muita moda, é um mercado onde a indústria representa cerca de 32 biliões de libras. No entanto, acredito que o setor premium tem enormes potencialidades, em comparação com o fast fashion, que está completamente saturado e dominado por players internacionais.


 

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