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Entrevista Lúcia Moniz

Entrevista Lúcia Moniz

9 Jun, 2021

Pelos olhos de Lúcia Moniz, a Portuguese Soul conheceu a sua Ilha Terceira, os sonhos, os projetos, e o que as palavras já não conseguem explicar. Esta é a Lúcia.


Lúcia. Percorrer a terra que sentimos como nossa, espreitar de uma rua e reviver a história familiar em cada canto, mesmo aquela que não conhecemos com os nossos olhos. Sentir a calçada como íntima. Inspirar o ar como casa. O nosso lar. A nossa terra. O nosso lugar.

Lúcia. Só o nome próprio, como é conhecida na terra. Na sua terra. Uma filha da ilha, “uma das nossas”. Fala da Ilha Terceira e os olhos ganham uma luz própria, que nos fazem transportar até às suas memórias de infância. Sempre soube que a arte seria o seu futuro. Não sabia qual, mas sabia que era na arte que seria feliz. Está nas bocas do mundo com Listen, de Ana Rocha, o candidato português as nomeações da Academia. Que (curiosamente) levará ao mundo todo os vencedores no dia 25 de abril. Tão simbólico para Portugal. Tem três filmes prontos para sair.

Pelos olhos de Lúcia Moniz, a Portuguese Soul conheceu a sua Ilha Terceira, os sonhos, os projetos, e o que as palavras já não conseguem explicar. Esta é a Lúcia.

Portuguese Soul. Raízes. Alma. Não podíamos estar mais enquadrados...
Sem dúvida. Estarmos aqui hoje, fotografarmos aqui na ilha…é onde faz sentido registar memórias. É uma continuidade.

Porquê?
Nesta fase da minha vida houve um regresso às raízes. Por muitas razões, gosto de mostrar como sou. Não quis ser fotografada porque sim, mas sim num ambiente e num espaço do qual eu faço parte. É o local.

Tens uma ligação muito forte com esta ilha…
Sim. O sangue que me corre nas veias é terceirense. Também tenho um pouco de S. Miguel (risos) Há uma picardia saudável entre as ilhas, dizemos que temos sangue de S. Miguel, mas de forma secreta. Nasci em Lisboa, mas a minha primeira infância foi cá.

As pessoas cá tratam-te como uma filha da terra…
Eu sinto-me de cá, mas ter o amparo das pessoas de cá, que reconhecem que eu sou de cá, independentemente do tempo que vivi em Lisboa, é muito bonito. Há uns anos lancei um livro de fotografia, e um dos capítulos foi dedicado à ilha e às pessoas da Terceira. Andava a fotografar pela ilha e parei numa zona de caça onde encontrei uma barraca com uns caçadores. Pedi para os fotografar e eles convidaram-me a sentar com eles e um deles era do continente e diz-me “o que é que tu estás aqui a fazer nos Açores?” E o outro caçador diz logo: “Então, ela é de cá. Esta é a terra dela”.

Eu sinto que na praia da Vitória sou a neta do Alberto e da Aida e a filha da Maria do Amparo e do Carlos Alberto e, por acaso, faço umas coisas no continente. Cá é secundário ser figura pública. Se não sentisse esta pertença, dificilmente tinha vindo para cá a tempo inteiro. A ilha Terceira era o meu porto seguro, um refúgio. E durante a quarentena pensei: porque é que é a fuga? Porque não faço exatamente o contrário? Vivo onde me sinto bem e vou a Lisboa para trabalhar. Dou prioridade àquilo que vale mesmo a pena.

A pandemia ajudou a esta decisão…
Sim, tivemos muito tempo para pensar. Até demais (risos) pensas: está é mesmo a minha casa? Porque não por este tipo de questões em primeiro lugar…onde me sinto realmente feliz?

Sempre soubeste que a música e arte ia ser a tua vida?
A música, independentemente de como fosse vivida, vai sempre fazer parte da minha vida. Não sabia que a ia assumir como ganha pão… mas quando tinha 13 ou 14 anos (já estava numa escola de música desde os 5 anos) e achei que não queria seguir esta linha de músicos e que queria seguir artes acabei por ir estudar artes visuais e ainda fiz 2 anos de desing gráfico…até que um dia piso o palco a solo - para defender a música do festival da canção em 1996 - e foi muito prazeroso pisar aquele palco, senti-me muti bem a encarar um público e com vontade de fazer mais.

A representação surgiu por acaso, mas curiosamente acabou por ter o mesmo efeito. Fui tendo uns papeis mais pequeninos, mas começou a ser uma coisa tão especial que eu queria fazer mais. Tive a primeira experiência de cinema com o filme “Love actually” e foi uma viragem fundamental para assumir-me como atriz, embora no início tivesse muita dificuldade em intitular-me como tal. Tudo aquilo que construi tecnicamente foi sempre fruto da experiência.

Aliás, indo mais atrás. Sonhava em ser bailarina clássica quando era pequena. Adoro ballet clássico. Tive uma família  que me abriu portas para isso e tudo tem que ver com a educação, que temos em casa.

Falando em educação, tens um sonho de criar um projeto inovador nesta área. Acreditas que é essencial mostrar aos jovens artísticas que existe um espaço para eles?
Mais importante que isso...é explicar o papel fundamental das artes na vida de toda a população. A começar pela educação , as ferramentas que as artes proporcionam principalmente nos jovens na fase de construção da identidade. A partir das artes há uma liberdade de expressão, de pensamento, uma construção para desenvolver o espírito crítico… As artes são fundamentais para a formação pessoal de qualquer pessoa e, deviam de estar presentes na educação de cada criança.

Todos os anos, “entras” pelas nossas casas com “O Amor Acontece”…como foi a experiência? E como é ver agora o filme e perceber que estás num clássico?
Foi incrível. E é incrível fazer parte de um clássico (risos)
Ninguém estava à espera deste repercussão do filme. O filme foi de facto lançado no natal porque envolve a época natalícia, mas nunca pensei que após 17 anos ainda fosse considerado o filme clássico que vemos nesta altura.

Tudo começou com os castings em Portugal e fui escolhida entre 25 atrizes. Toda a experiência foi maravilhosa. Aprendi imenso e deparei -me como uma realidade incrível e com grandes atores, por exemplo o Colin Firth.

Ainda mantêm o contacto?

Sim com o Colin Firth e com o Bill Nighw. Com a Emma Thompson consigo falar de vez em quando. Houve um reencontro há 2-3 anos e foi maravilhoso. Todos nós estávamos a insistir com a autor para ele escrever a sequela. Mas ele não quer (risos). Sinceramente acho que queríamos fazer um segundo, pelo prazer de voltarmos a estar juntos.

É inevitável falarmos no Listen. Disseste logo que sim à proposta da Ana?
Sim! Aliás, eu estava a ler a página 12 e liguei-lhe a dizer “eu quero fazer isto.”  Ela mandou-me mensagem no Instagram (não nos falávamos nem víamos há 20 anos) a dizer que tinha um guião, a sua primeira longa metragem, e que gostava que eu lesse e que fizesse personagem. Não sabia o que ia ter nas mãos, podia ser qualquer coisa.
Comecei a ler e houve qualquer coisa até àquela página que foi tão forte…a força das personagens, o peso e a emergência do assunto, a qualidade da escrita (é inacreditável a qualidade da escrita logo nas primeiras páginas).

Não resisti, mandei mensagem à Ana a dizer “Olha eu vou só na página 12, mas eu quero fazer isto.” Li até ao fim e foi só a confirmação que era um grande guião e eu senti-me privilegiada e honrada por a Ana me ter escolhido para representar este papel.  Não é só a responsabilidade de desempenhar bem esta mãe, da forma que ela a cria, real e crua. É a responsabilidade de representar mães que estão a passar por isto. Esse era o peso da responsabilidade. De ser urgente e de qualquer mãe que esteja a passar por isto se sinta representada e com voz.

Achas que é este peso e esta urgência que faz com que o filme tenha tido tanto sucesso?
Acho, mas não só. É uma conjugação de várias formas. Se a Ana não tivesse mão a nível artístico, da forma como retratou a história, provavelmente não iria ter esta reação.

Qual é um ou os vários fatores que fazem com que o filme tenha esta necessidade de urgência.. ou de percebermos que isto existe e o que podemos fazer para que não exista ?

Sim. Vai a todos esses sítios. Há um mérito muito grande na Ana. Toda esta história e este assunto se fosse mal abordado, explorado do sensacionalismo ao expoente máximo era provavelmente repugnante, com uma péssima reação. Uma das várias opções da Ana  era que a interpretação fosse real, crua, sem filtros nenhuns, sem poéticas nenhumas e isso foi também para mim um desafio. Deparei-me com alguns desafios de ator (vícios, lugares) que só ali é que me apercebi.

Teve uma grande preparação da tua parte…

Sim teve. Ter tempo para preparar é fundamental. Eu tive muito tempo para preparar e para errar na procura da preparação. Houve várias fases, desde a pesquisa do assunto sempre muito canalizado nos pais e nas mães. Trabalhei com a minha psicóloga o guião para explorar o estado de choque, o trauma e o luto porque existe uma perda. Isso foi fundamental, trabalhar com a minha psicóloga e não outra psicológica qualquer , sabendo ela que sou eu que vou fazer o papel, como é que vou fazer isto e voltar a “mim” sem danos.

Como se volta “sem danos”?

É muito importante voltar “sem danos.” Puder ir lá e voltar e saber arrumar as gavetas.
Acontece muito pior do que está no filme.

Achas que o cinema tem esta função, de alerta?

Claro. Tem a função do entretenimento. Quantas vezes disse apetece-me ver um filme para não pensar. A ferramenta fantástica que a arte tem é puder através de um movimento ou de uma expressão artística fazer um alerta ou transmitir uma mensagem, uma chamada de atenção e informativo.

Eu querias que as pessoas vissem isto e descobrissem…

Sim. Foi das coisas que eu  repeti muitas vezes à Ana e ao Ruben. Eu só esperava que o mundo soubesse que este filme existisse. Sem pensar em prémios.

Como foi Veneza?

Foi inacreditável. Das coisas mais inesperadas e igualmente desejadas. Quando se torna realidade, quando de repente temos um aplauso que não acabava, pessoas de pé....(silêncio)
Nós chorávamos muito,  Ana, a minha filha, o Rúben.. foi uma emoção inacreditável. Uma das responsáveis da organização veio ter connosco e disse “preparem-se, porque isto não acontece em todos os filmes, isto quer dizer alguma coisa. Isto significa muito.”

O abraço que eu e a minha filha demos foi das coisas mais bonitas, única e inacreditáveis. Primeiro, porque viu pela primeira vez a  mãe num ecrã gigante e com uma audiência internacional. E depois porque esta história teve um impacto muito forte nela. No fim do filme dizia-me “espero que nunca nos separem porque eu não aguentava.”

Muitas pessoas falam do impacto que é para os pais perderem os filhos e os filhos serem retirados aos pais. Mas os pais também são retirados aos filhos. Assisti a uma conversa de alguém que não é mãe e estava a dizer “este filme afetou-me imenso” e alguém disse “ mas tu não és mãe, nem sabes..” ….e ela disse “mas sou filha”. E é tão contranatura retiraram os filhos aos pais, como os filhos ficarem sem os pais. Penso o mesmo em relação à morte...é contranatura um filho  morrer a um pai. Mas também é quando um pai ou uma mãe morrem quando o filho ainda está numa idade que precisa de tê-los.

Na altura, disseste que se fosses aos Óscares levaris o cravo ao peito. Porquê?
Porque o 25 de abril tem muita importância para mim. Não só pelo que significa para o pais, mas pelo significado. Eu venho de uma geração que lutou por isto, que deu a cara e o corpo, que interveio. Os meus pais andaram pelos pais a fazer música de intervenção, a arriscar tudo. É, acima de tudo, uma forma de homenagem.

E o futuro?
Tenho neste momento três filmes para estrear: Fátima, Sombra e Amadeo. O primeiro sobre as aparições em Fátima, o segundo sobre o desaparecimento do Rui Pedro e o último sobre o Amadeo Souza Cardoso.

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