“Ajudar as empresas para que tenham tempo para respirar”
Os comentários das empresas nesta edição da MICAM variam muito: desde casos muito positivos a outros que indicam o contrário. Os dados apontam em que sentido?
A indústria está atenta, uma vez que o contexto não é fácil. O mercado não está a crescer por via da política monetária que tem sido seguida, principalmente pelo BCE, e isso significa que as empresas têm de estar mais atentas àquilo que é o comportamento dos mercados: procurarem diversificar os destinos, com mercados que não estejam no mesmo ciclo económico, procurarem estar em segmentos onde o impacto da crise não é tão forte, segmentos mais elevados. Aliás, vi aqui alguns exemplos de empresas que fizeram esse posicionamento e que continuam a crescer.
Isso é uma mensagem que é importante: que esse trabalho tem de ser feito de uma forma continuada. Essa preocupação é importante porque temos de estar atentos aos sinais que o mercado nos dá, também para podermos ajustar as nossas estratégias, e é um pouco isso que o setor está a fazer neste momento.
Primeiro, temos de perceber que este setor, aliás, como outros, tem tido sempre apoios estatais. Aliás, só no âmbito do Portugal 2020 este setor recebeu praticamente 60 milhões de euros para apoiar o seu desenvolvimento e para promoção internacional. Esse apoio vai continuar a existir no âmbito deste novo contrato agora assinado; nas próximas semanas serão feitos os pagamentos relativos aos adiantamentos e posso dizer, desde já, que vamos abrir novas linhas de promoção internacional até ao primeiro trimestre do ano que vem. Vamos, também, mobilizar mais 60 milhões de euros para os vários setores de atividade em projetos conjuntos, em projetos de promoção de fileiras e em projetos individuais de empresas também; isto já com verbas do Portugal 2030.
Eu diria que só nas próximas semanas. Não podemos esquecer que os programas estão agora a arrancar, existem muitas vezes questões técnicas a ultimar relacionadas, por exemplo, com sistemas de informação que têm de ser montados. Há sempre nas fases de arranque alguma entropia que, obviamente, não desejamos. Mas estamos a trabalhar no sentido de melhorar para que, depois, "a máquina" fique oleada e os apoios possam fluir de uma forma mais rápida.
Não... vamos ver. Eu vou desmistificar um pouco a questão. Quando estive aqui no início do ano, o cenário que se traçava era este: as expectativas das empresas eram que, perante um ano de 2022 em que o setor cresceu 20%, se igualassem o mesmo resultado ficariam contentes. É aquilo que está um pouco a acontecer. O setor cresceu ligeiramente em junho e registou uma redução de 0.6%, em julho. Estamos a falar numa estagnação do setor, mas em cima de um crescimento de 20% no ano passado. E cresceu em valor, que é aquilo que também é mais importante. Portanto, nós não estamos perante nenhuma emergência. Aliás, nós monitorizamos os dados do desemprego, os dados até do número de trabalhadores em lay-off na indústria, e são números residuais. As empresas estão a aguentar. E aquilo que o Governo está a fazer é mobilizar novos apoios para permitir que as empresas atravessem este período conturbado.
Vou dar um exemplo de outra medida que vamos lançar em outubro, que é um programa de formação exatamente para permitir que as empresas, durante os períodos em que não têm encomendas ou estão ansiosas, possam colocar os seus trabalhadores em formação para receberem novas qualificações, aproveitando esse período para não fazerem despedimento. Porque é que é importante não fazerem despedimento? Não só para as pessoas, obviamente, porque temos de preservar emprego, mas porque as empresas precisam dessa capacidade para quando o mercado estiver pronto para crescer novamente; porque colocarem trabalhadores na rua e depois voltar a contratá-los e dar-lhes nova formação é sempre muito mais complicado...
Nós não podemos estigmatizar as empresas e os segmentos. Nós, no setor do calçado, temos muitos segmentos e temos muitos tipos de atividades. Por exemplo, falar de calçado ou de componentes, será diferente. Falar de calçado desportivo ou de calçado clássico, é diferente. Estes segmentos muitas vezes têm ciclos diferentes de comportamento. Por exemplo, o calçado clássico, o mesmo acontece no vestuário, está a ter um comportamento mais favorável do que o calçado informal porque, no contexto de COVID, o que aconteceu foi um consumo de calçado informal bastante significativo, que criou também oportunidades de negócio nessa altura. Nós não podemos olhar para as oportunidades de negócio apenas num momento no tempo. Temos de perceber quais são os ciclos. Muitas destas empresas, obviamente, que agora estão a passar por momentos mais incertos, tiveram se calhar momentos mais favoráveis; empresas de calçado clássico, por exemplo, que passaram por momentos mais incertos nessa altura, neste momento, estão a ter um comportamento mais favorável. Ter esta diversificação também é importante porque ajuda a mitigar os efeitos do impacto destes ciclos, porque se todos produzissem a mesma tipologia de produtos os ciclos teriam um impacto muito maior. Aquilo que nós temos de fazer é ajudar as empresas quando existe, digamos assim, esta incerteza, para que elas mantenham a sua capacidade produtiva e tenham tempo para respirar e para olharem para o mercado e perceberem como é que vão reajustar a sua estratégia: novos mercados, novos segmentos. É isso que é importante, ganhar essa folga, e aqui a associação tem dado esse caminho, a aposta na sustentabilidade, a aposta na automação, por exemplo, são dois temas que são críticos para a competitividade do setor.
O OE está a ser, neste momento, discutido no âmbito da concertação social. O Governo já assumiu uma redução fiscal no âmbito dos próximos OE, no âmbito do Plano de Estabilidade, e a prioridade foi dada ao IRS. Aliás, também as próprias entidades, associações patronais, também elas solicitaram que essa prioridade ocorresse nesse tema e, portanto, é nesse ponto que está a ser feita a negociação. Eu não vou adiantar muito mais porque é na sede da concertação social que essa discussão tem de ser feita, no fundo, para também equilibrarmos os interesses que existem entre entidades - associações patronais, associações sindicais -, obviamente, para termos aquilo que nós queremos, que é um desenvolvimento sustentável do ponto de vista socioeconómico. Portanto, aqui, com a confluência das vontades de todos é que vamos conseguir esse objetivo.
Vamos diferenciar duas coisas. O apoio à formação que foi anunciado pelo Senhor Secretário de Estado do Trabalho é um apoio para situações limite, ou seja, de crise. O apoio à formação que eu referi é uma medida que está incluída no acordo de concertação social, no acordo de rendimentos, e que é uma medida contínua, que terá uma flexibilidade grande para que as empresas possam gerir, também, esse pacote de formação, em função daquilo que são os ciclos de disponibilidade das encomendas. Nós temos que perceber que muitas vezes não podemos ter um instrumento que suporte todas as necessidades. Aquilo que nós temos de ter são instrumentos que se adequem a necessidades específicas.
As empresas serão PMEs no caso dos projetos conjuntos, no caso dos projetos individuais também poderão ser empresas de outras dimensões. E as empresas não terão de ter quebras de vendas: aquilo que é necessário, neste contexto, nesta medida que referi, será terem um plano de formação que contribua para a transformação das empresas.