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Estado da Indústria

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19 Jan, 2021

Indústria de calçado em suspense


A indústria portuguesa de calçado e de artigos de pele, altamente dependente dos mercados externos, está literalmente em “suspense”. Não obstante a emergência da vacina e o início do plano europeu de vacinação, as boas perspetivas oriundas dos “states” com a eleição de Biden ou o acordo entre a União Europeia e o Reino Unido, no âmbito do Brexit, a pandemia parece não querer, pelo menos para já, abrandar e está mesmo a galopar por toda a Europa. Para os empresários é o que se poderá designar de “balde de água fria”. “Marcha-atrás”, “um ano ainda mais difícil”, “vai piorar antes de melhorar”, os testemunhos são variados, mas o sentimento de impotência generalizado.

Espanha enfrenta a terceira vaga e os hospitais estão, de novo, vez sob grande pressão. O Reino Unido regista o maior número diário de mortes desde o início da pandemia - mais de 1.500 - e os especialistas em saúde pública falam de um "fracasso fenomenal da política em prática". Itália vai estender o estado de emergência até ao início de maio, já que as infeções não mostram sinais de abrandamento. Em França, e na Alemanha, os dois mercados de referência para a indústria portuguesa de calçado, os efeitos da pandemia não abrandam e revelam-se particularmente preocupantes. As empresas portuguesas estão, tal como no passado recente, dependentes da evolução da pandemia.

A grande encruzilhada

Os sinais já não eram animadores. Desde logo, porque se estimava uma quebra mundial do consumo de calçado superior a 20% (dados do World Footwear). Na Europa, o recuo seria, eventualmente, ainda mais expressivo. Agora, agudiza-se a indefinição. Para o setor de calçado, 2020 foi de grande exigência, com uma quebra das exportações acumuladas até novembro na casa dos 16%. E agora? Que cenários se afiguram para as empresas portuguesas?

Carlos Abreu recorda que “não é fácil encontrar soluções no contexto atual, porque as medidas tomadas hoje, mostram-se ineficazes amanhã. O desconhecimento do futuro próximo deixa-nos sem perspetivas e, como tal, a tomada de decisões é sempre muito difícil”.
Para o homem-forte da Perlato “2021 será mais difícil que 2020. Desde clientes a fornecedores, estamos todos mais fragilizados”, sendo mesmo espectável “o encerramento de muitos agentes económicos nesta cadeia, a começar no comércio”. “Não havendo um comércio forte, a indústria seguramente ressentir-se-á”, sublinhou.

Pedro Castro, da Aloft assume um discursivo mais otimista, ainda que cauteloso. “Atendendo às circunstâncias excecionais que enfrentamos, só podemos considerar o ano de 2020 como um sucesso, pois conseguimos apresentar crescimento de vendas – se bem que modesto –em relação a 2019”. Tratou-se, de resto, de um ano exigente, “em que investimos muito tempo na preparação das equipas, sistemas produtivos e na criação de novos produtos para o futuro”.
Já para Paulo Martins, “o primeiro semestre do ano será ainda caracterizado por uma diminuição do volume de negócios, tendo em conta os “lockdowns” atuais que certamente continuarão até meados Abril”. “Para além de inibir a atividade comercial dos retalhistas, dificulta o nosso papel na apresentação e venda das nossas novas coleções”, sublinhou o homem-forte da Ambitious.  “Como sabemos a base da nossa atividade passa pela proximidade que temos com os mercados e em particular com os nossos clientes e, neste seguimento, espero que as limitações de circulação de pessoas não dificultem ainda mais o nosso trabalho comercial”.
Já para o segundo semestre, “espero sinceramente que corresponda ao início do regresso à normalidade, sendo certo que necessitaremos de umas quantas épocas para retomar os valores de 2019”, revelou Paulo Martins. “Espero que os nossos clientes – continuou - consigam aguentar e ultrapassar este período difícil, assim como espero que as seguradoras de crédito consigam dar o apoio devido às empresas no sentido de assegurar as transações económicas”.

Na mesma linha de raciocínio, Pedro Sampaio acredita que “será um ano dividido em duas fases distintas”, uma vez que se prevê “um início de 2021 bastante difícil, com  vários países europeus em confinamento geral, que dificultará não só receção de encomendas de verão como também condiciona os resultados das vendas da coleção de inverno que para muitas marcas se realiza logo nos dois primeiros meses do ano”. Haverá, depois, “a expectativa de que com a vacinação em curso possamos começar a ver resultados a partir de Maio e possamos começar a trabalhar com mais normalidade o resto do ano”, revela o responsável da Mazoni.

No setor de artigos de pele, Orlando Soares antevê “uma melhoria palpável a partir do Verão em termos globais”. Já na primeira metade do ano, estima que se “atinja o pico depressivo desta pandemia, pelo menos em termos sanitários, o que inibe uma boa parte da atividade económica, nomeadamente o mercado retalhista”. “A situação ainda vai piorar antes de melhorar”, lamentou.

 Artigos de pele
na expetativa

No setor de artigos de pele, a situação atual é igualmente complexa. No caso das Malas Peixoto Soares, e considerando a tipologia de artigos “slow fashion”, “a estratégia baseou-se em garantir stock disponível no imediato aos retalhistas e distribuidores das marcas”, revelou Orlando Soares. “A grande razão foi a constatação de que os clientes retalhistas e distribuidores não queriam assumir compromissos de encomendas a prazo logo, pelo que procuramos transmitir-lhes que teríamos stock disponível para quando fosse necessário”.
Já no que diz respeito aos clientes “private label”, a empresa “flexibilizou as condições, nomeadamente em termos de quantidades e aumentou ligeiramente os prazos de pagamento, sem que tivesse procedido à adoção de politicas de redução de preços.

As Malas Peixoto Soares reforçaram, ainda, muito “a aposta nas vendas online via loja própria ou através  de plataformas já existentes com relevância em Portugal e no estrangeiro”. “Adotámos vários procedimentos como forma de compensar parcialmente a falta de  contacto presencial nomeadamente com recurso a catálogos digitais interativos e reuniões periódicas com clientes por via digital”.

Orlando Soares revela, ainda, que, entre as medidas alotadas pelo Governo, recorreu às moratórias e o lay-off simplificado, não deixando porém de lamentar “ alguma falta de visão a longo prazo da situação da maioria das empresas”. “Não foi dada a devida relevância ao facto de a ajuda dada às empresas ter passado quase exclusivamente por mais endividamento”, destacou, pelo que se “deveriam ter considerado fontes alternativas de ajuda e financiamento às empresas, soluções mais estáveis e mais saudáveis e acima de tudo que não comprometessem a capacidade de investimento das empresas e dos sectores”.
Os argumentos competitivos
“Versatilidade e a proximidade” são na ótica de Carlos Abreu os principais argumentos competitivos das empresas portuguesas, numa altura em que a famosa “bazuca europeia” poderá trazer algum alento. “Para resultar teremos de olhar só para a frente e esquecer o passado recente”.
Pedro Castro considera que “a indústria portuguesa, além da qualidade e do saber fazer que já são um dado adquirido, apresenta uma capacidade de saber interpretar a necessidade de inovação e de tendências dos clientes de uma forma ímpar. Apesar da nossa reduzida dimensão no quadro internacional, conseguimo-nos sempre reinventar on the fly e isso fideliza muitos clientes cá. A preparação técnica e científica dos nossos quadros também marca muitos pontos lá fora”.
Pedro Sampaio destaca “a flexibilidade, a capacidade de resposta, as pequenas séries e tem um posicionamento geográfico muito privilegiado como os principais argumentos que a indústria portuguesa tem para oferecer”. Acresce a capacidade nacional de “desenvolver produtos muito inovadores do ponto de vista da sustentabilidade, que se possam vir a revelar mais valias no futuro”.,
 
O efeito “bazuca”

Com a economia europeia muito fragilizada, aumenta a expectativa relativamente à bazuca europeia. Com efeito, a União Europeia dotou-se de um pacote de recuperação de 1,8 biliões de euros, cabendo a Portugal mais de 45 mil milhões de euros. “Aguardamos mais explicações para compreender de que forma esse plano vai realmente chegar às empresas”, considera o responsável da Aloft. Para Pedro Castro importa que “haja os apoios se focalizem nas empresas, de modo a poder para ajudar o País a organizar o futuro industrial”.

“Os valores globais são muito elevados e podem proporcionar uma oportunidade única para revitalizar as empresas e com isso a economia do país”, considera Orlando Soares. “A grande questão passa por saber se vai haver medidas realmente alternativas ao habitual modelo que passa por maior financiamento, associado a um maior endividamento”.

Para o responsável das Malas Peixoto Soares “os valores dedicados às empresas parecem menores do que deveriam ser considerando que as empresas são o grande motor da economia”. Com efeito, “o investimento publico é necessário, mas se a “bazuca” se esgotar em investimento publico nada irá mudar estruturalmente no tecido industrial e poderá ser uma oportunidade perdida”, razão pela qual “deverá existir uma aposta clara e indiscutível na industrialização do país, criando condições reais para que empresas industriais assumissem a liderança da recuperação económica”.

Pedo Sampaio espera que o apoio possa “apoiar efetivamente as empesas” e não recorra “a mais soluções de simples endividamento”. Paulo Martins acrescenta que “depois de toda a propaganda feita à bazuca europeia, as expectativas dos empresários são as melhores”, esperando-se que seja possível  “apoiar as empresas depois de vários meses muito difíceis, com um esforço adicional dos empresários em manterem os postos de trabalho e a reinventarem as suas estruturas internas”.



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