Entrevista a Mónica Seabra Mendes
O sapato, sobretudo o feminino, sempre foi um objeto de desejo e um símbolo de poder feminino, contudo, nunca teve o estatuto que hoje lhe é reconhecido. Num mundo mais casual, a tendência é o uso e abuso dos ténis (sneakers), elevados a objeto de culto, mas também é, no outro lado do espectro, adquirir sapatos de exceção, a partir de atributos puramente emocionais. A função e o conforto ficam à porta! E é aqui que posicionamos o sapato como objeto de luxo, quando o definimos pelas suas características imateriais, de beleza, diferenciação e de estatuto. Têm sido muitas as marcas de sapatos de luxo, sobretudo no universo feminino, que nos últimos 20 anos se impuseram no mercado, criando para o setor do calçado um estatuto e lugar próprios, apartado da Moda e dos Acessórios em Pele. Economicamente, o setor do calçado tem hoje vida própria. A visibilidade e notoriedade do mercado foram justamente impulsionadas e nutridas pelas marcas de luxo. Quem não conhece os Manolo, os Louboutin, os Jimmy Choo, os Aquazzura... e nem é preciso dizer que falamos de sapatos!
Para mim, o verdadeiro luxo é saber que algum objeto de exceção ou alguma experiência foram criados a pensar em mim e para mim. Num mundo tão anónimo e artificialmente personalizado, aprecio a verdadeira relação humana.
Sim, o luxo tem uma aceção pessoal e por isso, necessariamente, tem uma abrangência de significados. O luxo, no final do dia, é algo que nos escasseia; pode ser reconhecimento e estatuto social ou simplesmente a necessidade de um copo de água fresca ou de apreciar algo belo. Neste campo não há lugar a juízo de opinião, nem existem respostas certas ou erradas.
O meu objetivo é, contudo, entender o luxo do ponto de vista económico, acrescentando-lhe estes níveis psicológicos e sociológicos, para determinar estratégias de negócio e comunicação. Também me interessa entender o luxo num campo mais concreto que é o seu impacto na sociedade e na cultura. Nestas aceções, o luxo tem um entendimento mais conciso.
Acredita que a definição de luxo tem vindo a mudar ao longo dos últimos anos? No pós-pandemia começamos a olhar para algumas coisas de forma diferente, como as experiências ou as viagens. Isso influenciou o universo do luxo?
O luxo tem uma identidade que o define e que é imutável, mas tem uma materialização e um estilo que se adaptam, obviamente, ao mundo. É normal que as necessidades mudem e a resposta a essas necessidades, também. O luxo é um mundo de privilégio e de privilegiados. Quando algo deixa de ser visto desta forma, deixa de ser luxo. A necessidade humana de luxo, essa, contudo, não muda. É natural que se tenha procurado nos pós pandemia o que mais escasseou, o privilégio a que não se teve acesso.
Relativamente à questão das experiências que menciona, é muito curioso porque existe a tendência de separar o “luxo dos objetos”, do “luxo das experiências”, sendo que o luxo, material ou imaterial, é uma experiência, por definição. Há, contudo, uma procura por experiências mais desmaterializadas, o que comprova o que acabo de referir: a identidade do luxo não muda, mas muda a sua expressão, ao longo do tempo.
Claro! Têm de ser! Não nos esqueçamos de que o modelo económico do luxo é justamente aquele que promove a produção cuidada de produtos intemporais, passíveis de ser usados, reparados e herdados. Um luxo que cuida do trabalho artesanal, que preserva o património material e imaterial e que hoje assume um papel relevante no mecenato cultural. O luxo que segue também um modelo de negócio e de visão a longo prazo o que lhe impõe, por necessidade, um modelo económico e financeiro mais sustentável. O luxo é o contraponto a uma economia descartável. Obviamente que também engloba sectores muito poluentes (curtumes, moda...) e que terá de fazer a sua parte na sustentabilidade ambiental, onde sejamos francos, não tem assumido a liderança que o deveria caracterizar. O cliente hoje transfere as suas responsabilidades cívicas para as marcas que consome e o cliente de luxo paga um preço premium para confortar a sua consciência, sendo, por isso, ainda mais exigente.
Nunca houve na história da humanidade, tantos consumidores no mercado do luxo, nem tantas tipologias diferentes. As gerações atualmente são muito diferentes, criando verdadeiros gap geracionais. Acresce que somamos especificidades de consumo de mercados geográficos distintos. Um chinês tem uma exigência e uma necessidade de consumo, completamente diferente da de um europeu ou de um japonês. O luxo tem de responder, de uma forma muito segmentada através do produto e/ou serviço, a uma audiência distinta e que busca exclusividade. Podemos, no entanto, destacar uma nova geração de consumidores sobretudo asiáticos, com muito poder de compra e muito mais jovens do que era a tradição no luxo. Estes clientes procuram produtos distintos do habitual, mas são igualmente atraídos pelo poder das grandes marcas. O mais desafiante de tudo é perceber nestas novas tipologias, quem compra e quem influencia. Claramente há um mercado mais maduro e com poder de compra ainda na base do consumo de luxo, mas quem influencia e determina a compra, são os mais novos. É para eles que as marcas de luxo comunicam.
A estratégia tem sido simples: comunicar com os mais jovens onde eles estão, e encontrá-los e perdê-los é nas plataformas sociais. Comunicar usando a sua linguagem e percebendo o que lhes é relevante. Tem sido um desafio para marcas centenárias responder a públicos tão distintos da sua audiência habitual, contudo, não há outra forma de construir futuro.
Um cliente de luxo, ainda que com gostos e estilos particulares, tem características transversais de acesso e comportamento de compra, pelo que diria que um cliente de luxo em Portugal, não será diferente do que frequenta outro país. Sabemos que os mercados locais vivem sobretudo do turismo de compras (extracomunitário) e Lisboa e o Porto não são exceção, tal como o não são Paris e Milão. Sabemos que temos um mercado de afetos que é nutrido pelos clientes angolanos e brasileiros e sabemos que temos cada vez mais chineses e americanos a consumir luxo em Portugal. O incentivo à permanência de residentes não habituas com poder de compra, também tem confortado o nosso mercado, não só a nível imobiliário, mas também a nível de compras de luxo pessoal. Acresce o consumo dos clientes de luxo portugueses, dado que hoje já existem mais marcas e mais produtos para oferecer. Vivemos, portanto, um círculo virtuoso naquilo que é o consumo de luxo em Portugal e com margem de crescimento também nas áreas da restauração, hotelaria, entretenimento e cultura. Espero que este panorama positivo contribua também, para motivar e incentivar as marcas portuguesas a posicionar-se neste segmento.
Já vai para a edição número 19! e este ano pretendemos festejar a nossa vigésima edição. Já lá vão 13 anos...O mais importante e estruturante deste programa é incentivar a pensar excelência, num país que tradicionalmente tem pouca cultura de luxo. É motivar a percorrer a “extra mile”, a ter atenção ao detalhe. É o motivar a querer servir melhor e a fazer melhor, independentemente de se trabalhar com iogurtes, joias ou hotelaria. O programa apresenta ainda várias realidades setoriais, nacionais e internacionais que inspiram e que ilustram as particularidades da gestão do luxo, enaltecendo o equilíbrio imprescindível entre um lado artístico e estético e o lado mais racional do negócio. Por fim, o programa dá-te ferramentas concretas e universais que podes implementar no teu produto, serviço ou projeto, independentemente da área de atividade e do segmento em que esteja inserido.
Sim despertaram! Não necessariamente os consumidores, porque estes sempre estiveram atentos e se não compravam mais luxo em Portugal, era porque a oferta de marcas/produtos era escassa. O que mudou foi a forma como as entidades económicas passaram a ver o luxo. As associações, as empresas, as entidades públicas, o governo, e a Imprensa, por exemplo.
Foto: Luís Gala/ModaLisboa