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O drama sem fim da escassez da mão de obra qualificada

O drama sem fim da escassez da mão de obra qualificada

5 Jan, 2022

"Falta de mão de obra qualificada é um problema estrutural"


São cada vez mais as empresas da fileira de calçado com dificuldade de contratarem mão de obra qualificada. “O problema da falta de mão de obra é um problema estrutural que afeta todos os setores da indústria, muito penalizada por estigmas e estereótipos difíceis de combater”, admite Paula Gil, Diretora do Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (CFPIC). Mas vamos a números: dados da Comissão Europeia apontam para a necessidade de a Europa recrutar 500 mil profissionais na próxima década nos setores têxtil, vestuário e calçado.

O diagnóstico resulta, de acordo com Paula Gil, “essencialmente, da reduzida capacidade de o tornar atrativo aos jovens, em regra, mais qualificados, uma vez que esta falta de mão de obras e verifica essencialmente nas profissões orientadas para a parte produtiva, em condições de trabalho que não são as mais interessantes, e que são profissões que exigem níveis de qualificação mais baixos e, consequentemente, níveis de remuneração também mais baixos”.

Realidade dura
“O histórico laboral da indústria do calçado e a experiência da maioria dos familiares que trabalham ou trabalhavam neste patamar da indústria não ajuda”, recorda Vera Sampaio, Diretora Executiva da Escola Profissional de Felgueiras. “Importa perceber especificamente quais são as funções que estão em falta”, continuou. “A produção é a estrutura funcional com menos atratividade para os jovens”, pelo que “estes postos de trabalho são ocupados por colaboradores onde tradicionalmente são requeridas menos qualificações académicas (nos setores de corte, costura, montagem e alguns técnicos de manutenção para onde é difícil atrair a formação das novas gerações)”. Acresce que “os jovens estão mais recetivos a carreiras na área do design, estilismo e modelação porque estão conotados com maior valorização, melhores condições de trabalho e normalmente mais visibilidade na estrutura da empresa”. “Para além disso – explica Vera Sampaio - o enquadramento social já se afasta do estereótipo, historicamente entendido pelos jovens como redutor e fundamentado pelos familiares, sobre as condições de operador de chão de fábrica, numa indústria tipicamente alicerçada em manufatura”. “Este problema é ainda reforçado pela legítima expetativa de atingir uma formação com escolaridade equivalente ao 12º ano de escolaridade, contribuindo para que a maioria dos jovens procurem oportunidades para além de uma função operatória, muitas vezes ocupada por colaboradores sem este nível de escolaridade, com funções mais físicas e com níveis de renumeração inferiores”.

Numa análise mais fina, a responsável da Escola Profissional de Felgueiras, assume que “as condições de trabalho, progressão, valorização e a compensação atualmente em vigor não são suficientemente atrativas”. Adicionalmente, “não podemos esquecer a vertente conjuntural devido a flutuações económicas imprevistas do mercado, sobretudo causadas pela urgência de satisfazer picos de encomendas e consequentemente a intensificação da procura de recursos humanos adequados e qualificados para funções específicas capazes de acompanhar o crescimento produtivo abrupto na fase pós-confinamento”.

A essa dura realidade, Paula Gil recorda que a dificuldade de contratação de novos colaboradores surgem associadas a outros problemas que têm que ser encarados como desafios o envelhecimento da população, as alterações climáticas e digitais, as exigências impostas pelas marcas de respostas ao nível da produção, cada vez mais rápidas e  a dificuldade que temos, de disseminar o que de bom se faz ao nível da inovação e criatividade, quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista da sustentabilidade”.

Atacar o problema
 
“Há vários instrumentos que deveriam adotar como um forte investimento em marketing e comunicação, em modernização e tecnologia, que promovam uma mudança da imagem do setor ou uma aposta forte na valorização e promoção da formação profissional, por parte das empresas”, defende Paula Gil. “É preciso – continuou - que a oferta formativa disponível esteja alinhada com as necessidades da indústria e que esta reconheça que é mais vantajoso, do ponto de vista da competitividade, recrutar pessoas mais qualificadas e com melhores remunerações, que permanecem mais tempo nas empresas”. Já “o recurso à mão de obra estrangeira que está disponível para trabalhar e para receber formação profissional é também uma forma de trazer novas gerações para as empresas”, concluiu.

Já Vera Sampaio recorda que “o Estado e setor empresarial não podem esperar respostas imediatas para um problema de falta de recursos humanos especializados que não é de agora (apenas se agravou), se não estabelecer previamente uma estratégia de longo prazo, alicerçada na evolução e expetativas da sociedade e nos requisitos do mercado”. Segundo a Diretora Executiva da EPF existem alguns fatores de atração para as novas gerações,  nomeadamente “a melhoria das condições de trabalho, progressão, saúde e vida dos colaboradores industriais, comunicar o imenso progresso da indústria ao longo destes últimos anos através de campanhas genuínas de valorização dos seus ativos humanos, ajudando a minimizar estigmas e a destacar o papel de todos os intervenientes na cadeia de valor do setor, divulgar as melhores práticas, os processos de inovação, o incremento da investigação e desenvolvimento no setor, a tecnologia incorporada nos processos, a criação e modernização de marcas nacionais, o processo criativo, a sustentabilidade e os cuidados ambientais, a preocupação com elevados padrões qualidade, as práticas de responsabilidade social”. Para Vera Sampaio é fundamental “investir em comunicação regular, focada nas novas gerações e com um plano de médio e longo prazo”.
 
Como será a formação do futuro?
 
“A formação profissional do futuro terá que conjugar inovação tecnológica com mão de obra. Se, por um lado, não pode alhear-se da robotização e da automatização, que criam valor acrescentado porque simplificam os processos produtivos e reduzem os custos, por outro lado, assiste a uma valorização crescente do trabalho artesanal, pelos clientes internacionais do setor”, admite Paula Gil. “Tem que ser uma formação profissional com uma acentuada aposta em programas de intercâmbio internacionais, que também atraem novos talentos para a indústria”. Em termos práticos, importa desenvolver “uma formação profissional que promova a requalificação, a atualização e o aperfeiçoamento contínuos dos trabalhadores, face às exigências e mudanças do setor.”  Por fim, “tem que ser uma formação profissional que passe uma mensagem do valor do calçado numa perspetiva global”.

Vera Sampaio acredita que “a formação deverá antecipar as necessidades futuras do setor e ser atrativa para as novas gerações. O compromisso entre estes fatores implica vários desafios. É primordial que os jovens sintam afinidade e atratividade pelo setor e que a sua família percepcione um futuro promissor na oferta formativa”.

Em termos práticos, “a qualidade da capacitação e as competências adquiridas serão fundamentais para a entrada no mercado de trabalho e cabe à entidade formativa essa responsabilidade. É necessário acompanhar o desenvolvimento tecnológico, uma total abertura ao exterior, uma aprendizagem baseada em projetos, fomentando a criatividade, autonomia e o espírito critico dos formandos”. Competirá, na opinião da Diretora da EPF, que “o Estado e as empresas criem condições para que transição escola-empresa seja uma experiência positiva que se solidifique rapidamente. É importante que todo este ciclo de percursos se enraíze, seja estável e prestigiante para todas as partes envolvidas”.    



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