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O Estado da Indústria: Pedro Castro

O Estado da Indústria: Pedro Castro

9 Nov, 2023

Pedro Castro, Aloft


“Estado tem de aprender a gerir melhor e com menos”

Pedro Castro é Gestor da Aloft, uma empresas de componentes para calçado que tem a inovação no ADN e uma particular propensão ao risco. ~
Neste Estado da Indústria faz uma avaliação ao momento do setor e sugere caminhos para uma maior prosperidade.


Depois de um ano de 2022 de forte fulgor, todos os principais players de calçado enfrentam dificuldades no corrente ano, com quebras ao nível da produção e das exportações. No seu entendimento, a que se deve isso?
Esta quebra não é exclusiva ao sector do calçado nacional, mas transversal a todos os outros players internacionais no sector. Estamos a chegar de uma grande feira internacional onde tivemos ecos do mesmo fenómeno em todas as geografias, principalmente motivados por dois fatores.

Quais?
Desde logo, a necessidade de esvaziar stocks não vendidos gerados pelas compras excessivamente otimistas do pós pandemia coadjuvado por uma efetiva quebra nas vendas (nalgumas marcas importantes na ordem dos -40%).
As quebras de vendas foram motivadas pela guerra na Ucrânia que gerou uma inflação galopante que retirou poder de compra às famílias e empresas (que tiveram que dirigir os seus recursos para os gastos de primeira necessidade) e sentimento de receio económico quanto ao futuro (ainda não dissipado). As compras excessivas parece-me que ocorreram também em grande escala e em vários ramos (calçado segurança, desporto, etc). Aqui - nos casos que conheço e questionei - a origem é curiosa é importa refletir: Todas estas grandes empresas, muito bem organizadas, têm modelos preditivos de geração de encomendas que se baseiam nas vendas efetivas em loja, fatores e indicadores macroeconómicos que entram como multiplicadores, a meteorologia e até sentimento geral (lido por exemplo pela análise do ticket médio de compras nas grandes superfícies ou pela média de levantamento unitários em caixas ATM). Alguns dos modelos já levam uma camada de Inteligência Artificial para temperar as análises e as propostas de compra. Ora, quando os consumidores saíram do Covid gerou-se um movimento de “Revenge Buying” que esgotou de uma forma até irracional alguns artigos caros em grandes lojas. Este fenómeno não era nem conhecido nem estava estudado, e muito menos estava contemplado por algoritmos de tomada de decisão desses computadores das centrais de compra. Ao lerem as vendas aceleradas e irracionais, reagiram com irracionalidade também e geraram compras crescentes nos fabricantes para responderem ao que sentiam iria ser um consumo crescente desmedido. Deu asneira e provou que todas as ferramentas preditivas têm que ser muito bem temperadas com inteligência natural, conhecida como senso comum. Acho que foi a primeira vez que vi no comércio um acidente transversal gerado pelo algoritmo. Que nos fique de lição a todos.
 
Numa situação conjunturalmente complexa, de que forma podem as empresas contornar as dificuldades?
É muito difícil. A Aloft é uma empresa caracterizada por uma grande propensão ao risco (Risk Taker), disruptiva e com enorme vontade de apostar tudo na Inovação. Temos uma equipa humana com as competências de base e o espírito certo nessas dimensões e os equipamentos industriais que o permitem. Até agora tem funcionado como receita para fugir aos problemas correndo à frente deles e atraindo clientes que se revêm nesse comportamento. Mas não é receita para todas as empresas. Tem de haver capacidade de injetar capital sem ter garantias de retorno rápido (ou lento), uma equipa e um mind set muito específico. Não aconselho a quem não tenham isto no ADN porque é normal que tudo falhe a meio do processo de desenvolvimento, mas não pode haver receio de continuar a acreditar e a desenvolver até se obter o resultado pretendido.
 
Quais são os principais argumentos competitivos que as empresas portuguesas podem esgrimir para superar a concorrência?
No nosso sector é inegável que o custo de mão de obra ainda é um dos fatores que atrai encomendas para o nosso sector, aliado à geografia (para quem procura o Near Shoring) e a um efetivo Saber Fazer. Mas prefiro realçar o que para nós é o mais importante fator crítico de sucesso: a enorme qualidade humana e científica das nossas equipas, muito bem formadas pelo sistema de ensino. Queixamo-nos muito, mas quando viajamos apercebemo-nos do grau elevadíssimo de preparação dos nossos quadros formados em escolas portuguesas. Isso vale ouro, como as empresas estrangeiras que cá vêm buscar bateladas de profissionais recém-licenciados já notaram há muito tempo. O nosso muito obrigado aos professores. Compete-nos agora enquanto empresários o desafio de gerar mais riqueza para podermos recompensar devidamente as equipas com salários mais interessantes e merecidos.
 
Os dados das grandes organizações internacionais apontam para uma recuperação económica, ainda que moderada, em 2024. Acredita que o próximo ano seja melhor para o calçado português?
Estou firmemente convicto que sim.
 
Numa fase em que o Orçamento de Estado começa a ser negociado, no seu entendimento, que medidas extraordinárias deveriam ser tomadas para relançar a atividade económica em Portugal?

 A carga discal sobre as empresas e família é um tema que finalmente começa a ser discutido. Pede-se às Famílias e Empresas que sejam ousadas e ambiciosas, mas o Estado também o tem de ser e aprender a gerir melhor e muito mais rápido com menos. Se queremos crescer enquanto país temos que deixar disponibilidade financeira nas famílias e empresas para investirem em formação, equipamentos e estratégias arriscadas de expansão e crescimento. Quando o dinheiro chega à justa para pagar as contas do dia a dia os sonhos e ambições são as primeiras vítimas. E sem sonho não há progresso.
 


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