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O Estado da indústria

O Estado da indústria

24 Jan, 2022

O ano de 2021 foi de recuperação para o setor do calçado. Um ano marcado por muitas incertezas depois do impacto profundo gerado pela pandemia. Estima-se que, em 2020, tenham sido comercializados menos 4 mil milhões de pares de calçado em todo o mundo, o equivalente a 70 anos de produção de calçado em Portugal. Ainda que não existam números definitivos, a intuição sugere que 2021 foi já de recuperação. O que nos esperam os próximos meses? Quais serão os efeitos colaterais da pandemia? O Jornal da APICCAPS «apalpa o pulso ao setor», em mais um Estado da Indústria.

As últimas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial estimavam para 2021 o maior crescimento do PIB mundial dos últimos 80 anos. Já para 2022, os indicadores apontam para uma nova dinâmica positiva. Obstáculos à vacinação e ondas adicionais de COVID-19 podem, no entanto, criar obstáculos à recuperação económica em todo o mundo. No setor do calçado, em particular, importa ter em linha de atenção as alterações profundas ao nível dos padrões do consumo, que se acentuaram na ultima década, e mesmo ao nível dos canais de distribuição.

Ainda que recuperação esteja em marcha, poderá ser mais lenta do que o necessário. O consumo de calçado deverá aumentar este ano, ainda que a um registo moderado. São esses os dados do Business Conditions Survey do World Footwear: a evolução do consumo em 2022 será modesta, (entre 1,5% e 5%), em comparação com os níveis pré-pandémicos. Só em 2023, o setor de calçado recupera de forma plena no plano internacional.

Um milhão de portugueses em isolamento

Por estes dias, de acordo com a Direção Geral de Saúde (DGS) há quase um milhão de pessoas isoladas em Portugal, um aumento de 60% relativamente aos números registados na semana passada. “Nunca sabemos quem estará disponível (infetado ou em isolamento) no dia seguinte. E isso é terrível para o planeamento de uma linha de produção”, lamenta Paula Melo.

A responsável da Rolando da Cunha Melo (RCM), que não acredita “em mais confinamentos gerais”, recorda que “o mundo atualmente tem mais conhecimento sobre a doença do que no passado, logo estará melhor preparado para enfrentar novas variantes que possam surgir”.

Na mesma linha de raciocínio, Adriano Marinho recorda que “é precisamente nesta fase que as empresas estão a sofrer mais com a falta de trabalhadores em quarentena”. O responsável da Marisport acredita, ainda assim, que “estamos no início do fim desta pandemia”. Joaquim Silva, da Felmini, em tom de desabafo dispara: “com tantas baixas nos quadros operacionais das empresas, é quase impossível planificar a produção”.

Condicionantes em catadupa

As exportações portuguesas de calçado cresceram mais de 10% de janeiro a novembro do ano transato, mas estão ainda aquém de 2019. Como será, agora, o ano de 2022? Em absoluto, ninguém sabe responder.

“Como em qualquer tsunami - ainda que em sentido figurado, o coronavírus tem algumas semelhanças - existe um efeito imediato de catástrofe, mas depois há todo um processo de recuperação que é tão ou mais difícil de superar que a própria catástrofe em si. No setor empresarial, há parceiros que, a jusante ou a montante, ficaram pelo caminho”, explica Pedro Coelho, da Tofel. 

São várias as condicionantes que inquietam, por estes dias, os empresários portugueses. Paula Melo recorda que ”com a incerteza instalada, a gestão das empresas é permanentemente afetada”.

“À medida que a pandemia vai perdendo força com todas as medidas implementadas pelos sistemas de saúde, diminuem os condicionalismos, aumenta a liberdade de movimentos e, pouco a pouco, retomam-se os níveis de confiança”, recorda Joaquim Silva. Para responsável da Felmini “a pandemia afetou de forma profunda várias empresas a nível mundial”. “Infelizmente muitas não se adaptaram e não sobreviveram”, lamenta. Cerro é que “as empresas tiveram de se adaptar. “Para promover o negócio com os nossos clientes, desenvolver uma relação consciente e genuína, tentando minimizar as limitações de deslocações para eventos ou visitas comerciais, criamos ferramentas digitais tais como vídeos e lookbooks com as melhores ofertas, para que os nossos clientes pudessem encomendar de forma segura”, realçou. No entanto, “o aumento dos produtos petrolíferos, com implicações no aumento do custo dos transportes, o aumento da inflação, o acréscimo da procura, que contribuiu nomeadamente para a escassez de algumas matérias-primas, implicou uma subida dos preços de todos os produtos e componentes em geral”.  

O aumento das matérias-primas, que é “brutal” nas palavras de Adriano Marinho, é há já vários meses a maior preocupação das empresas. Pedro Coelho lamenta que “os constantes aumentos dos preços exijam que estejamos a maior parte do tempo a renegociar condições com os nossos clientes”. Adicionalmente, a falta de matéria-prima e os seus constantes atrasos tornam qualquer exercício de planeamento demasiadamente ingrato”.
“O recrutamento de pessoas especializadas é cada vez mais difícil”. O lamento de Vasco Heitor, da JJ Heitor, é extensivo a quase todo o setor. Dados da Comissão Europeia apontam para quer até 2023 sejam necessários 500 mil novos colaboradores para a fileira da moda em toda a Europa.


O dossier sustentabilidade

A indústria portuguesa de calçado quer assumir-se, no plano externo, como uma referência no desenvolvimento de soluções sustentáveis.  

Pedro Coelho acredita que “o perfil do consumo se alterou significativamente”. Em resultado, “tenderemos a consumir mais racionalmente do que emocionalmente (por impulso) o que irá implicação uma redução do consumo”. Já a sustentabilidade que começou por ser “uma moda passageira”, passou a assumir-se “como uma mais uma responsabilidade inevitável”. “Todos temos a ganhar com isso”, apontou.

Paula Melo defende que importa “criar e produzir de forma sustentável”. Para esse fim, a pele natural será sempre fundamental. “Devemos olhar para a pele como o aproveitamento de um desperdício da indústria alimentar”. Uma discussão que não é nova, mas que ganha novos argumentos: o consumo mundial de carne continua a aumentar e terá atingido um novo recorde em 2020.  “Mais couro de qualidade significa uma cadeia de valor mais sustentável; menos desperdício, melhor ética e mais prosperidade para todos", enaltece a Cotance, a confederação europeia do couro.

Já para Pedro Saraiva, da Bolflex, “não existe outra maneira de olhar para um mundo futuro que não contemple um meio-ambiente mais coeso, onde se aproveitem ao limite os recursos disponíveis,  reciclando, reaproveitando, reutilizando, tudo com desperdício mínimo, onde a comunidade esteja envolvida nos projetos e a saúde e bem estar de todos possa ser um bem adquirido”.
Vasco Heitor, por sua vez, assume que “nas gerações dos milenais e geração Z, marca que não tenha preocupações a nível da sustentabilidade fica para trás”.

O papel de Portugal no mundo

Todos os anos, em todo o mundo, produzem-se mais de 20 mil milhões de partes de calçado, assumindo a Ásia um papel principal na cena competitiva internacional, com uma quota na ordem dos 6% da produção mundial. Que papel estará reservado a um pequeno país como Portugal que, ainda assim, exportarmais de 95% da sua produção para 163 países, nos cinco continentes?

“Do ponto de vista industrial, poderemos marcar a diferença pela inovação, flexibilidade, competência, qualidade, criatividade, transparência, rapidez de resposta”, dispara Pedro Coelho. “Temos excelentes argumentos competitivos para nos impormos internacionalmente”.  “Qualidade, sempre qualidade”, sublinha Paula Melo, ao qual Adriano Marinho acrescenta “um nível de preço ainda comportável e competitivo”. “Beneficiaremos da procura de produção para abastecimento local, nomeadamente da Europa” concluiu.

“Creio que 2022 será um bom ano”, aponta Vasco Heitor. Para o responsável da JJ Heitor “com a pandemia os clientes passaram a valorizar muito mais a proximidade, fazendo pequenas encomendas com curtos prazos de entrega”. “O enquadramento é-nos favorável mas temos de continuar a fazer bem o nosso trabalho”.

“Relação de proximidade, produto de moda, saber fazer acumulado, qualidade geral do produto a preços competitivos são alguns dos argumentos que nos distinguem internacionalmente, aponta Joaquim Silva, da Felmini.  Pedro Saraiva acrescenta que que “Portugal é cada vez mais um hub da indústria do calçado, pela sua diversidade de oferta”. “Fabricamos produtos já com um elevado grau de complexidade e com standards elevados de qualidade e só isso já são fatores decisivos por definição para atrair novos clientes para o mercado”, sublinha o responsável comercial da Bolflex.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) acredita que, em 2022, poderá decretar o fim da pandemia.

O ano ainda agora se iniciou. As perspetivas de negócio são boas. Mas a as incertezas mais do que muitas. Estaremos, porventura, mais perto de regressar à normalidade.

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