As últimas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial estimavam para 2021 o maior crescimento do PIB mundial dos últimos 80 anos. Já para 2022, os indicadores apontam para uma nova dinâmica positiva. Obstáculos à vacinação e ondas adicionais de COVID-19 podem, no entanto, criar obstáculos à recuperação económica em todo o mundo. No setor do calçado, em particular, importa ter em linha de atenção as alterações profundas ao nível dos padrões do consumo, que se acentuaram na ultima década, e mesmo ao nível dos canais de distribuição.
Ainda que recuperação esteja em marcha, poderá ser mais lenta do que o necessário. O consumo de calçado deverá aumentar este ano, ainda que a um registo moderado. São esses os dados do Business Conditions Survey do World Footwear: a evolução do consumo em 2022 será modesta, (entre 1,5% e 5%), em comparação com os níveis pré-pandémicos. Só em 2023, o setor de calçado recupera de forma plena no plano internacional.
Um milhão de portugueses em isolamento
Condicionantes em catadupa
As exportações portuguesas de calçado cresceram mais de 10% de janeiro a novembro do ano transato, mas estão ainda aquém de 2019. Como será, agora, o ano de 2022? Em absoluto, ninguém sabe responder.
O aumento das matérias-primas, que é “brutal” nas palavras de Adriano Marinho, é há já vários meses a maior preocupação das empresas. Pedro Coelho lamenta que “os constantes aumentos dos preços exijam que estejamos a maior parte do tempo a renegociar condições com os nossos clientes”. Adicionalmente, a falta de matéria-prima e os seus constantes atrasos tornam qualquer exercício de planeamento demasiadamente ingrato”.
“O recrutamento de pessoas especializadas é cada vez mais difícil”. O lamento de Vasco Heitor, da JJ Heitor, é extensivo a quase todo o setor. Dados da Comissão Europeia apontam para quer até 2023 sejam necessários 500 mil novos colaboradores para a fileira da moda em toda a Europa.
O dossier sustentabilidade
A indústria portuguesa de calçado quer assumir-se, no plano externo, como uma referência no desenvolvimento de soluções sustentáveis.
Pedro Coelho acredita que “o perfil do consumo se alterou significativamente”. Em resultado, “tenderemos a consumir mais racionalmente do que emocionalmente (por impulso) o que irá implicação uma redução do consumo”. Já a sustentabilidade que começou por ser “uma moda passageira”, passou a assumir-se “como uma mais uma responsabilidade inevitável”. “Todos temos a ganhar com isso”, apontou.
Paula Melo defende que importa “criar e produzir de forma sustentável”. Para esse fim, a pele natural será sempre fundamental. “Devemos olhar para a pele como o aproveitamento de um desperdício da indústria alimentar”. Uma discussão que não é nova, mas que ganha novos argumentos: o consumo mundial de carne continua a aumentar e terá atingido um novo recorde em 2020. “Mais couro de qualidade significa uma cadeia de valor mais sustentável; menos desperdício, melhor ética e mais prosperidade para todos", enaltece a Cotance, a confederação europeia do couro.
Já para Pedro Saraiva, da Bolflex, “não existe outra maneira de olhar para um mundo futuro que não contemple um meio-ambiente mais coeso, onde se aproveitem ao limite os recursos disponíveis, reciclando, reaproveitando, reutilizando, tudo com desperdício mínimo, onde a comunidade esteja envolvida nos projetos e a saúde e bem estar de todos possa ser um bem adquirido”.
Vasco Heitor, por sua vez, assume que “nas gerações dos milenais e geração Z, marca que não tenha preocupações a nível da sustentabilidade fica para trás”.
O papel de Portugal no mundo
Todos os anos, em todo o mundo, produzem-se mais de 20 mil milhões de partes de calçado, assumindo a Ásia um papel principal na cena competitiva internacional, com uma quota na ordem dos 6% da produção mundial. Que papel estará reservado a um pequeno país como Portugal que, ainda assim, exportarmais de 95% da sua produção para 163 países, nos cinco continentes?
“Do ponto de vista industrial, poderemos marcar a diferença pela inovação, flexibilidade, competência, qualidade, criatividade, transparência, rapidez de resposta”, dispara Pedro Coelho. “Temos excelentes argumentos competitivos para nos impormos internacionalmente”. “Qualidade, sempre qualidade”, sublinha Paula Melo, ao qual Adriano Marinho acrescenta “um nível de preço ainda comportável e competitivo”. “Beneficiaremos da procura de produção para abastecimento local, nomeadamente da Europa” concluiu.
“Creio que 2022 será um bom ano”, aponta Vasco Heitor. Para o responsável da JJ Heitor “com a pandemia os clientes passaram a valorizar muito mais a proximidade, fazendo pequenas encomendas com curtos prazos de entrega”. “O enquadramento é-nos favorável mas temos de continuar a fazer bem o nosso trabalho”.
“Relação de proximidade, produto de moda, saber fazer acumulado, qualidade geral do produto a preços competitivos são alguns dos argumentos que nos distinguem internacionalmente, aponta Joaquim Silva, da Felmini. Pedro Saraiva acrescenta que que “Portugal é cada vez mais um hub da indústria do calçado, pela sua diversidade de oferta”. “Fabricamos produtos já com um elevado grau de complexidade e com standards elevados de qualidade e só isso já são fatores decisivos por definição para atrair novos clientes para o mercado”, sublinha o responsável comercial da Bolflex.
O ano ainda agora se iniciou. As perspetivas de negócio são boas. Mas a as incertezas mais do que muitas. Estaremos, porventura, mais perto de regressar à normalidade.