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Onde está o dinheiro para tornar a moda mais sustentável?

Onde está o dinheiro para tornar a moda mais sustentável?

12 Fev, 2024

Prevê-se que o processo de descarbonização da indústria da moda Custe cerca de um trilião de dólares até 2050. Mas de onde virá Esse dinheiro? Como é que será distribuído?



Lewis Perkins, presidente do Apparel Impact Institute (AII), uma organização que se dedica ao financiamento e procura de soluções sustentáveis na indústria da moda, passou os últimos 19 meses a tentar angariar um fundo de 250 milhões de dólares para ajudar a reduzir a emissão de gases de efeito

de estufa no setor. O esforço começou em 2022 na cimeira de sustentabilidade, organizada anualmente pela Global Fashion Agenda em Copenhaga.

O fundo do AII é uma das principais iniciativas de financiamento climático do setor, com intenção de desbloquear milhares de milhões de dólares além do capital base. No entanto, as coisas estão a correr “mais devagar que o previsto”, reconhece Perkins. Até à data, foram angariados apenas 70 milhões de dólares. Mobilizar as quantias que serão necessárias para cumprir os compromissos de sustentabilidade do setor da moda – cerca de um trilião de dólares até 2050 – é um desafio cada vez mais urgente e exigente.

O aumento da temperatura global e as condições meteorológicas extremas tornaram as alterações climáticas um risco real e atual para as empresas. A temperatura recorde do ano passado perturbou as tendências sazonais de compras e ameaçaram as cadeias de abastecimento. As entidades reguladoras a nível mundial estão a intervir para controlar a questão. E a indústria poderá perder milhares de milhões de dólares em lucro se não reforçar a sua resistência. Mas os esforços para reduzir o fosso entre ambições climáticas e as despesas em soluções têm sido dificultados por desafios estruturais e interesses contraditórios.

Apesar dos compromissos de sustentabilidade de alto perfil, poucas marcas estabeleceram ainda orçamentos claros para atingir as suas ambições dispendiosas. O atual cenário económico sombrio dificultou ainda mais o acesso a financiamento. E, acrescendo à complexidade da situação, a maior parte do impacto ambiental da indústria ocorre durante os processos de fabrico, que foram, em grande parte, subcontratados a empresas com centros de produção de baixo custo offshore.

As cadeias de abastecimento fragilizadas, compostas por pequenas e médias empresas, já enfrentam dificuldades no acesso a capital acessível. Os fabricantes, por sua vez, argumentam que não devem suportar os custos de um problema que as grandes marcas efetivamente empurraram para si, enquanto continuam a extrair a maior parte do lucro da indústria. E enquanto as questões sobre como os esforços de descarbonização da indústria devem ser financiados e quem deve suportar os custos continuam sem resposta, o tempo está a esgotar-se para atingir os objetivos climáticos.

NOVAS SOLUÇÕES DE FINANCIAMENTO PARA A MODA

Estes obstáculos não são exclusivos à indústria da moda. Encontrar fundos para travar as alterações climáticas é um dos maiores desafios políticos e económicos da atualidade. O processo exige investimentos avultados em projetos com retornos incertos, prazos de recuperação demorados e contrapartes de alto risco.

Os esforços globais para desenvolver ferramentas e estruturas financeiras para resolver estas questões são ainda muito recentes, e a moda está particularmente mal equipada para navegar neste mudo emergente do financiamento climático. O setor não está preparado para projetos de longo prazo e os investidores e bancos frequentemente ignoram a indústria.

“Não há muitos investidores de impacto que tenham investido na moda”, diz Bob Assenberg, partner na Fount, uma empresa de investimento de impacto. Assenberg é também diretor do Good Fashion Fund, um fundo de 19 milhões de dólares para fornecer crédito a longo prazo a pequenos e médios fabricantes de vestuário na Índia e no Bangladesh para financiar projetos de sustentabilidade.

Estes fornecedores, que constituem uma grande parte do setor, têm muitas vezes dificuldade em obter empréstimos de longo prazo devido à natureza intrinsecamente instável do negócio da moda, orientado para as tendências. Os fabricantes trabalham geralmente com múltiplas marcas, cujas encomendas podem mudar totalmente de estação para estação, consoante a procura. “É difícil para os fabricantes fazer um plano a longo prazo", apontou Assenberg.

Embora o montante global necessário seja enorme, os projetos individuais destinados a melhorar o desempenho ambiental de uma fábrica são muitas vezes pequenos, o que também representa um problema. Os fundos necessários não são suficientemente grandes para serem considerados pelos bancos. A AII está agora a explorar formas de agrupar projetos para criar pacotes de investimento mais significativos que os bancos possam financiar. "Parte do que estamos a construir é um manual de finanças sustentáveis para marcas, fornecedores ou instituições financeiras e filantropos", conta Perkins.

PROJETOS-PILOTO E PARCERIAS: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL?

As marcas e os fabricantes estão também a fazer as suas próprias experiências. O Grupo H&M colaborou, no ano passado, com o banco de Singapura DBS para lançar um programa de empréstimos ecológicos, oferecendo taxas especiais aos fornecedores em projetos para a redução das emissões. Em
dezembro, o gigante sueco da fast-fashion e o retalhista dinamarquês Bestseller anunciaram que iriam liderar um investimento de 100 milhões de dólares num projeto eólico ao largo da costa do Bangladesh, apostando no tipo de investimento a longo prazo e de grande escala raramente visto na indústria da moda.

Por sua vez, o fabricante paquistanês de ganga Artistic Milliners associou-se à Levi's e à Bestseller para desenvolver um projeto de algodão orgânico – um exemplo de um modelo de cofinanciamento emergente no qual as marcas garantem a compra de volumes pré-acordados e pagam um prémio para
ajudar a cobrir os custos dos agricultores para a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis. O projeto de quatro anos deverá custar 700 mil dólares e produzir algodão suficiente para fabricar 3,5 milhões de metros de tecido por ano.

No entanto, o montante de dinheiro disponível continua a ser limitado, o cenário económico desafiador, e os projetos-piloto continuam a ser apenas isso.
Ao desenvolver o seu projeto, a Artistic Milliners constatou que a maioria das marcas não estava disposta a comprometer-se com volumes de compra, devido à preocupação com a volatilidade do mercado. O fabricante de ganga acabou por suportar cerca de 60% dos custos do projeto.

A Artistic Milliners é um dos principais fornecedores de ganga do mundo e, ao contrário de muitos fabricantes mais pequenos, tem acesso imediato ao crédito. A empresa já investiu substancialmente na minimização da sua pegada ambiental, mas, para que as suas emissões poluentes se aproximem o mais possível de zero nos próximos 20 anos, serão necessários, pelo menos, mais 80 a 100 milhões de dólares em grandes investimentos em infraestruturas, e um aumento dos custos. "O impulso para a neutralidade exigirá muito dinheiro sem retorno", aponta o diretor de práticas empresariais responsáveis da Artistic Milliners, Saqib Sohail. "Onde estão os retornos? Encontramos aí um verdadeiro impasse."

INVESTIMENTO A LONGO PRAZO

"A política está realmente a mover a ação", refere Assenberg. A intensificação da regulamentação ambiental, liderada pela Europa, está a aumentar a pressão sobre as grandes marcas de moda para que reduzam as suas emissões, apesar dos ventos económicos contrários que continuam a travar o investimento.

No entanto, os fornecedores receiam que acabem por ser eles a suportar os custos, enquanto as marcas continuam a pressioná-los nos preços. A maioria das equipas de sustentabilidade das empresas de moda não dispõe de orçamentos para grandes investimentos e, geralmente, está desligada do modo de funcionamento das equipas de sourcing e finanças. A ação não se limita a aumentar o acesso ao financiamento, mas a mudar a estrutura de funcionamento da indústria para permitir investimentos a longo prazo e cobrir custos operacionais mais elevados. Sem estas mudanças, o setor da moda dificilmente cumprirá os seus compromissos climáticos. E o custo da inação será significativamente superior a qualquer investimento necessário atualmente. "Já não é um luxo; é uma necessidade atual para a sobrevivência desta indústria", sublinha Sohail.

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