Entrevista a Luís Onofre, reeleito Presidente da APICCAPS
Luís, foi recentemente, eleito para um novo mandato na APICCAPS. Porque decidiu recandidatar-se?
Há três anos fui eleito pela primeira vez para a presidência da APICCAPS. Nesse momento, a Direção que me acompanhava definiu um programa de trabalhos exigente e detalhado. Terminamos o mandato com o sentimento de dever cumprido.
No entanto, a indústria portuguesa do calçado está a viver um dos períodos mais difíceis da sua história. Aceitei, por isso, candidatar-me para um novo mandato e agradeço, desde já, a confiança de todos, a começar pela Direção que me acompanha.
A pandemia esmagou o mundo de forma global e implacável e teve um impacto que só se conhecia em tempos de guerra, levando a uma quebra drástica na procura e a graves perturbações nas nossas cadeias de abastecimento. Enfrentamos agora, e enfrentaremos nos próximos tempos, um período de transição muito exigente, com incertezas a todos os níveis.
No entanto, é preciso reconhecer que, mesmo antes da pandemia, o mercado internacional do calçado estava já em profunda transformação, passando por alterações nos hábitos de consumo, assim como na afirmação de novos modelos de negócio que estão claramente ligados a novas tecnologias e ao mundo digital.
Todas estas mudanças súbitas têm-nos obrigado a questionar muito do que estamos habituados a fazer. Acredito, mais do que nunca, que é preciso unir esforços e reinventar formas de manter a nossa indústria viva e saudável.
O que é que o setor, como um todo, precisa de fazer para reerguer?
Podemos orgulhar-nos do que conseguimos nas últimas décadas. O sucesso que o calçado português alcançou é mérito nosso. Mas, vamos ter de fazer muito mais e fazer ainda melhor para que daqui a dez, daqui a vinte anos possamos continuar a dizer o mesmo.
De igual modo, precisar de reforçar de forma muito substancial a presença do setor nos mercados internacionais. A qualidade dos nossos produtos tem de atingir patamares superiores para que possamos chegar aos mais exigentes mercados internacionais, lado a lado com os melhores. Não nos podemos resignar a ser os segundos melhores. Temos de ter produtos tão bons como os melhores e temos de os saber promover intensamente. O investimento na promoção internacional continua a constituir um grande desafio. Urge assegurar que Portugal tome a liderança internacional através de um aumento, como jamais aconteceu, do investimento em marketing e promoção externa, quer no plano institucional quer ao nível das empresas.
O terceiro imperativo é a inovação. Neste momento, a saúde é a preocupação fundamental, quase exclusiva, de todos, quer dos consumidores, quer de nós próprios. Mas a pandemia não vai durar para sempre. Algum dia – esperemos que em breve – os consumidores vão voltar a pensar noutras coisas. Tudo indica que a sustentabilidade, para que temos vindo a mobilizar o cluster, estará entre as suas preocupações fundamentais, ainda mais do que antes. Temos de nos preparar, para estar na liderança mundial, no desenvolvimento de soluções sustentáveis. E temos também de trabalhar intensamente o tema da digitalização, para responder às transformações em curso na distribuição e retalho de calçado.
Acredito que é possível alcançar esta meta. Se todos juntos nos focarmos mais na procura de soluções, do que a lamentar os problemas que são reais, globais, difíceis, mas terão com certeza solução.
Uma das grandes limitações atuais passa pela dificuldade de viajar e de se contactar com os clientes. A própria participação em feiras internacionais está hoje altamente condicionada. Isso não o preocupa?
Preocupa-me naturalmente, seja como empresário ou líder associativo. É uma contingência dos nossos tempos.
Par um setor com as características do calçado, a participação em feiras internacionais sempre se revelou da maior importância. Permite-nos contactar com os clientes, testar novos produtos, perceber a dinâmica dos mercados e mesmo aprofundar os conhecimentos relacionados com as tendências de consumo e mesmo dos nossos concorrentes. Vamos ter de rapidamente voltar a essa dinâmica. A esse propósito, a majoração dos apoios à internacionalização, neste momento singular que vivemos, é da maior importância. Temos procurado sensibilizar o Governo para isso.
Naturalmente que ainda há muito a fazer e que procuraremos sempre melhorar o que fomos discutindo. Agora, dificilmente resolveremos os nossos problemas falando alto ou tendo uma postura agressiva. Pelo contrário, as nossas propostas procuram ter sempre uma fundamentação técnica inquestionável. Só assim é possível construir.
Quais desses instrumentos que o Governo colocou à disposição das empresas são, na sua opinião, passiveis de ser melhorados?
Eu diria que todos. Mas priorizarei dois. As empresas irão continuar a precisar de estímulos à retoma da atividade. O layoff simplificado é uma excelente medida de gestão e continuará a ser necessário.
Também os seguros de crédito são indispensáveis à nossa atividade. O Governo fez um esforço para encontrar melhores soluções, mas a verdade é que os instrumentos que temos à nossa disposição não são eficientes. É uma prioridade absoluta.
Tivemos recentemente boas notícias vindas de Bruxelas com o acordo sobre o plano de recuperação económica. Que expectativas tem quanto ao próximo Quadro Comentário de Apoio?
Não podemos deixar de saudar o poder de fogo singular que a Europa finalmente conseguiu reunir neste momento difícil.
A Europa tem também de aproveitar este momento difícil para redefinir algumas posições. Ao longo das últimas décadas o vestuário e o calçado foram em Bruxelas vistos como sectores menos importantes. Já chega.
A APICCAPS sempre defendeu um comércio livre, justo e equilibrado. Mas neste momento, a Europa permite a entrada de calçado no seu espaço de dez dos vinte maiores produtores mundiais em condições especiais, isto, por se tratarem de países supostamente menos desenvolvidos. Ora, não faz sentido facilitar a entrada no nosso mercado a competidores que, em muitos dos casos, não cumprem as nossas exigentes regras ambientais e sociais. Por isso, A APICCAPS e a Confederação Europeia do Calçado têm trabalhado em conjunto para alterar o Sistema de Preferências Generalizadas da União Europeia. Trabalho esse que não tem sido fácil como podem imaginar.
Importa dizer que o simples facto de ser Presidente da Confederação Europeia diz bem do reconhecimento que a nossa indústria conquistou.