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Uma indústria a vários ritmos

Uma indústria a vários ritmos

23 Mar, 2022

Como se gere o desfasamento de coleções na indústria de componentes?


A 99ª edição da Lineapelle apresentou as propostas para o verão 2023, numa altura em que a indústria de calçado apresenta a coleção outono-inverno 2022 e são entregues os produtos de verão 2022. Um desfasamento de coleções que obriga as empresas a um verdadeiro ‘jogo de cintura’. “Este é um dos grandes desafios do setor. Apresentar coleções com quase dois anos de antecedência implica uma grande gestão das expectativas, dos stocks e, também, das imprevisibilidades da sociedade”, diz Rodolfo Andrade. “A experiência de muitos anos no mercado foi-nos ajudando a conseguir prever estas questões e a saber gerir os imprevistos. Mas também sentimos que os próprios fabricantes dos produtos finais (sapatos, malas, etc) têm também este desafio e em colaboração estrita com eles vamos conseguindo adaptando e levando as coisas com sucesso”, diz o responsável da Multicouro.

“Como andamos à frente no desenvolvimento, o retorno de uma coleção pode, por vezes, ficar desfasado no tempo, pois há modelos que só passadas duas ou três épocas é que geram interesse por parte dos clientes”, diz Vítor Mendes, da ISI. “Tudo isto requer um esforço acrescido à nossa equipa de design, desenvolvimento e comercial, em termos de pesquisa e preparação das coleções. Apresentamos, por exemplo, várias maquetes e desenhos 3D já com o conceito do sapato final para testar a recetibilidade de um modelo”, diz o responsável da ISI.

Para Francisco Teixeira, “o trabalho que é feito ao nível dos componentes é resultado da alta competitividade da indústria. Efetivamente, diversos produtores de solas tentam diferenciar-se no desenvolvimento de novos materiais, processos e sistemas, de forma a se valorizarem e diferenciarem. São empresas “batedoras” no mercado, que necessitam de escala e que nesse sentido a velocidade que necessitam de imprimir para estarem atualizadas e competitivas é efetivamente alta”, diz o responsável comercial da Procalçado.

“Esse desfasamento já tem muitos anos, mas são rotinas que já estão no circuito normal da empresa. Basta ver o caso atual. Estivemos na Lineapelle a apresentar verão, as empresas produtoras de calçado/marcas apresentam a coleção de inverno na maior feira do mundo e, daqui a umas semanas, já começamos a tratar da nossa nova coleção de inverno que será apresentada em setembro. E, enquanto isso, os nossos clientes estarão focados em pesquisa de verão. Mas é um ritmo já entranhado na empresa”, diz Décio Pereira da Vapesol.

Para Hélder Trindade, da Soviras, “a gestão deste desfasamento é conseguida através de muito esforço e tempo dedicado ao planeamento. No sector do calçado, desde que a encomenda é colocada o percurso é muito longo… estamos no início da cadeia de produção”. Na prática, continua Hélder Trindade, “a palavra-chave para se conseguir acompanhar o setor é organização. No nosso caso específico, quando um cliente coloca uma encomenda de viras, esta tem de ser entregue o quanto antes ao fabricante de solas, para este as produzir e consequentemente entregar ao fabricante de calçado, e assim sucessivamente, até termos o produto final”.

Ricardo Pinto, da Combocal, defende que “as empresas de componentes têm sempre de arranjar mecanismos de prever as tendências futuras. Existem diversas plataformas que permitem analisar quais as tendências da moda num futuro próximo, desde as cores, materiais, conceitos ou até mesmo novas criações dos designers que poderão vigorar na indústria da moda. Tudo isto, permite gerir esse desfasamento de forma que se consiga apresentar sempre produtos inovadores aos clientes”, diz.
 

O léxico da sustentabilidade
O universo das ‘tendências’ pode ser muito difícil de prever, mas há uma palavra que definitivamente emergiu: sustentabilidade. “Sem dúvida que o futuro passará por produtos cada vez mais sustentáveis em todas as suas vertentes”. As palavras são de Paulo Ribeiro, da Atlanta, que defende que a sustentabilidade não pode ser apenas medida no produto final.  “Os produtos são mais amigos do ambiente não só quando são feitos com matérias-primas sustentáveis, mas também quando são feitos com melhores processos, com menos recursos e/ou mais eficientes, menos energia e energia mais “limpa”.

“A sustentabilidade estará em cima da mesa para o futuro. Já não há retorno neste campo, felizmente. Não é uma moda. É, sim, uma evolução civilizacional e social para a qual a economia em geral tem de estar preparada e o setor dos curtumes não será exceção”, avança Rodolfo Andrade.

“Pelo feedback que tivemos, acredito que as tendências estão muito inclinadas para os produtos mais amigos do ambiente, desde os biocompósitos, aos produtos com incorporação de reciclados. Verificou-se uma grande procura por este tipo de materiais”, diz Ricardo Pinto. “As marcas têm colocado como foco principal a sustentabilidade, tanto a nível de produtos, como a nível de métodos de produção, de forma a atenuar a pegada ecológica no planeta. Neste panorama, entram também como requisitos a existência de certificações ambientais por parte dos fornecedores, como por exemplo a norma RCS para os produtos reciclados, a certificação ambiental ISO 14001, entre outras”, avança o responsável da empresa de componentes.

Opinião partilhada por António Osório. O responsabel pela ASV Stübbe portuguesa acredita que “este tema continua em crescendo”, mas “há muito caminho a percorrer”.

“A sustentabilidade continua a ser um tema forte, devido a ser ainda uma exceção e não a norma. Há bastante trabalho a ser feito nesta área”, diz Francisco Teixeira, da Procalçado.

No caso específico das viras para calçado, o cenário é diferente. “A nossa atividade é, tendencialmente, mais virada para o Outono/Inverno e, para além disso, continuamos a ver que a tendência se concentra muito nos “sneakers”. No entanto, pelo que pudemos ver, já se nota que, aos poucos, este ciclo está no início do seu fim e aqui e ali já se vê algum calçado mais clássico, o que nos dá alguma esperança”. No entanto, o responsável da Soviras acredita que a sustentabilidade é uma preocupação crescente nos clientes. “Há cada vez mais procura por este tipo de artigos, embora ainda não seja algo dominante. Para lá caminharemos”, concluiu.

“No nosso setor, diria que a tendência reside em solas grossas e leves. Empresas e produtos mais sustentáveis são uma preocupação que tem crescido no seio das marcas em geral”, diz Décio Pereira.

 “A sustentabilidade é neste momento algo que já foi assimilada pelos clientes e pelas marcas, pelo que será uma constante nos próximos tempos. Para a ISI Soles a sustentabilidade não é apenas mais uma coisa a acrescentar à lista do que precisamos fazer. Pelo contrário, é algo incorporado em tudo o que fazemos. É inerente ao design dos nossos produtos, à seleção das nossas matérias-primas, e até à forma como as produzimos. As marcas com que trabalhamos sabem que isso faz já faz parte da nossa identidade e do nosso ADN”, diz Vitor Mendes


Os números da Lineapelle
“Desire for quality”. Foi este o mote da 99º edição da Lineapelle. Durante três dias (22 a 24 de fevereiro), o certame recebeu visitantes oriundos de 31 países, que conheceram as coleções de componentes e peles para a Primavera-Verão 2023.

A 99ª edição da Lineapelle encerrou com um valor total de 13.000 visitantes, que puderam conhecer os 960 expositores presentes na feira. Os pavilhões de Fieramilano Rho mostraram a vivacidade de uma indústria proativa, que procura uma “nova normalidade”, depois do choque da pandemia. “O mercado está cada vez mais seletivo”, diz Gianni Russo, presidente da Lineapelle “e está cada vez mais orientado para procurar maior qualidade e melhor serviço”.

“Esta edição da Lineapelle – continua Gianni Russo – confirmou o papel da Lineapelle como ponto de referência na indústria da moda e luxo, nomeadamente no fornecimento de couro, materiais, acessórios e componentes”.

Com o impedimento da presença de visitantes asiáticos, os países mais representados foram França, Espanha e Estados Unidos. Destaque, ainda, para um crescente número de visitantes oriundos da Turquia, Alemanha, Reino Unido e Portugal.

Nesta edição, onde o verão 2023 foi o centro da equação, a comitiva portuguesa esteve representada por um total de 26 empresas dos setores de componentes e curtumes. No setor de componentes, com o apoio da APICCAPS, viajaram a ASV Stubbe, Atlanta, Combocal, Isi, Procalçado, Soviras, Teco e Vapesol.

No formato original, MICAM, The One e Mipel aconteceriam em simultâneo com o último dia a coincidir com o primeiro dia da Lineapelle. No entanto, depois do anúncio de adiamento das três feiras para março, a organização da Lineapelle decidiu manter as datas originais. Em comunicado, a entidade responsável pelo certame garantiu que “tendo em consideração a especificidade dos materiais apresentados (peles, acessórios e componentes), a LINEAPELLE considera que um adiamento não permitiria que a cadeia de produção respeitasse a dinâmica habitual de desenvolvimento criativo e de produção de coleções e que o cronograma atual da feira é o único que contempla estas exigências”.

Para Rodolfo Andrade, esta edição da Lineapelle “foi muito positiva e marcada pelo regresso à normalidade das feiras como as conhecíamos”, avança o responsável pela Multicouro. “Ainda que com poucos visitantes asiáticos, a feira teve bastante movimento de clientes europeus, o que nos permitiu apresentar a nova coleção aos nossos habituais clientes e até receber novos clientes no nosso stand”.

“Apesar da situação pandémica ainda existente, a Lineapelle superou as expectativas que tínhamos”, avança Ricardo Pinto da Combocal. Ainda que com uma quebra (natural) de visitantes do leste da Europa, a feira registou “um aumento de visitantes provenientes dos EUA. Assim, de uma forma geral, a avaliação relativa a esta última edição da feira é bastante positiva”, diz.

Opinião partilhada por Vítor Mendes, da ISI, que admite que “a última edição do Lineapelle foi ótima para a nossa empresa.  A afluência de visitantes foi boa. Apesar de estarem menos visitantes do que em edições anteriores, notava-se uma predisposição para fazer negócios, o que foi muito bom”. Para Francisco Teixeira, esta edição da Lineapelle “serviu como ponto de contacto com os clientes presentes e para apresentação de novas ideias”, diz o responsável da Procalçado.

A Vapesol, que nunca suspendeu a participação nas edições da Lineapelle, faz uma avaliação positiva do certame, relevando-se “fundamental para a divulgação internacional da nossa empresa”, diz Décio Pereira.

Por outro lado, para o responsável da Soviras, a separação de datas entre a MICAM e a Lineapelle, numa fase de regresso à normalidade, “pode ter sido prejudicial à afluência habitual do certame”, diz Hélder Trindade.

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