Ser diferente num mercado cada vez mais global pode ser a chave do sucesso para muitas empresas. Em alguns casos para empresas que acabam de nascer, noutros casos para empresas que procuram distinguir-se num cenário de cada vez maior competitividade. Os nichos de mercado começam a ser cada vez mais procurados na hora de lançar um negócio.
Ainda que a produção de calçado em Portugal seja, maioritariamente, de calçado em couro, há um número crescente de empresas interessadas em diversificar o tipo de produtos que comercializam.
Num setor especializado na produção de sapatos em couro, a utilização de pele de origem animal nem sempre é vista com bons olhos pelos nichos veganos. O veganismo começa a ganhar força à escala global; há cada vez mais movimentos de proteção dos animais que pedem alternativas à exploração animal na indústria alimentar e, até mesmo, na indústria da moda. Mas o que é ser Vegan? Pedro Caria, da Shaping Brands explica “o veganismo é um estilo de vida e um modo de vida que, na medida do possível, evita prejudicar outros. É motivado pelos animais, pelo meio ambiente, pelas pessoas e pela saúde. Rejeita claramente a exploração, a crueldade e maus-tratos a animais”.
O consultor, que lançou recentemente o guia “A Revolução Vegan” (disponível no site do CTCP), acredita que escolher sapatos vegan é uma opção natural para quem rege a sua vida por princípios ecológicos. “A partir do momento em que estamos perante um consumidor que adopta um estilo de vida, este vai procurar incessantemente soluções para o poder concretizar.”
De acordo com a The Vegan Society “esta filosofia procura excluir - tanto quanto possível e praticável - todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito e, por extensão, promove o desenvolvimento e o uso de alternativas livres de animais para o benefício dos humanos, dos animais e do meio ambiente”.
Há várias formas de concretizar o veganismo, mas todas têm em comum uma dieta à base de plantas, na libertação de produtos, subprodutos, matérias ou substâncias de origem animal, como: carne, peixe, lacticínios, ovos, mel, insetos, crustáceos, seda, lã, pele, produtos químicos e outros que tenham passado por testes animais.
Este é um nicho de mercado real e que tem procura à escala mundial. Para além disso, segundo Pedro Caria, “a sua potencialidade existe e dá sinais de crescimento, dia após dia. Este nicho é considerado, hoje, por muitos, como o maior e mais importante movimento mundial”.
A The Vegan Society promoveu 2 estudos de mercado no Reino Unido em períodos distintos. O primeiro, realizado pela Ipsos Mori em 2016, concluiu que o universo Vegan cresceu, na Grã-Bretanha, 360% em 10 anos. Em 2016 foram identificadas 542.000 pessoas com idades superiores a 15 anos (cerca de 1% população) que seguem uma dieta Vegana, um crescimento acentuado face a 2006, onde foram identificadas 150.000 pessoas. O estudo demonstrou que o Veganismo é no Reino Unido o movimento de estilo de vida de mais rápido crescimento e estima-se que possa crescer até 1 milhão de pessoas. Um segundo estudo realizado pela Option Matters no final de 2017, permitiu perceber que metade dos adultos do Reino Unido estão agora a adotar comportamentos de compra vegan, sendo agora o UK mais vegan-friendly do que nunca. Metade dos 20.000 indivíduos adultos entrevistados, disseram que conhecem alguém que é Vegan e mais de 1/5 disseram que considerariam tornar-se Vegans.
Segundo o estudo de Pedro Caria, “para muitos, hoje em dia, este é considerado como o maior e importante movimento mundial. Em países como Estados Unidos da América, Canadá, Brasil, Reino Unido, Bélgica e Alemanha é notório, ao longo dos anos, o crescimento deste nicho.”
Um nicho de desafios
Mas…para um indústria com forte tradição na produção em couro, como podem ser implementados estes novos materiais? “É essencial definir um público-alvo, perfil de consumidor e posicionamento com o maior rigor possível. As marcas deve criar um produto verdadeiramente Vegan. A promessa Vegan não pode falhar”. Em termos técnicos, os produtos que se declaram vegan não podem conter, na medida do possível, nenhum produto ou subproduto de origem animal e devem garantir que nenhum animal foi utilizado para a sua produção (por exemplo em testes).
“A produção de calçado Vegan já acontece em Portugal há vários anos, estando a ser produzidas no nosso país algumas das mais conceituadas e conhecidas marcas Vegan do mundo. Em Portugal, temos o know-how de produção, é apenas uma questão de adaptação aos materiais e componentes, que respondam às exigências dos produtos vegan.
“Como sabemos a nossa indústria é altamente competente em produzir calçado de valor acrescentado, em que os acabamentos, por exemplo, têm um papel preponderante e que só é possível garantir com muito conhecimento acumulado. Trabalhar produtos não pele é menos complexo a esse nível. O maior desafio, na minha opinião, está no fornecimento de materiais de qualidade e que garantam com certeza, que os mesmos não têm qualquer produto, sub-produto, matérias ou substâncias de origem animal (materiais da gáspea, solas, ilhós, colas, cordões, ceras, tintas...). Este diria que é o grande desafio”.
Este é um movimento que tem adquirido cada vez mais credibilidade e uma perceção mais positiva, devido ao trabalho responsável que tem vindo a ser desenvolvido pelos seus atores, ao longo dos anos. “Hoje ainda pode ser considerado um nicho, mas no futuro, pode ser bem mais. Para muitos, a Revolução Vegan só agora começou”.
Empresas portuguesas à conquista do mercado
Em Portugal, algumas marcas já se movimentam neste nicho de mercado. É o caso da Rutz. A marca de Raquel Castro é conhecida internacionalmente pelo uso de cortiça. “A cortiça tem uma série de características, como a impermeabilidade, que me levam a acreditar que no futuro será usada em muitos produtos. No entanto, criamos uma linha vegana que não utiliza qualquer tipo de componente animal, porque percebemos que existia uma procura muito grande em relação a este tipo de produção”.
Mais recentes no mercado encontramos asportuguesas. A startup criada por Pedro Abrantes com a Amorim Cork Ventures, agora com o apoio do grupo Kyaia, é detentora da primeira marca de flip-flops de cortiça do mundo. E este é apenas o único material que utilizam.
Mas as surpresas não ficam por aqui. A Nae (No animal exploration) propõe uma alternativa à exploração animal. A marca, com uma década, utiliza materiais naturais como a cortiça e a folha de ananás. Em paralelo, utiliza materiais reciclados como pneus, airbags – aproveitando a poliamida - e garrafas de plástico. “A nae vegan shoes nasceu sob o pressuposto da não exploração animal, e aposta não só em materiais naturais e ecológicos, mas também no design, estilo e qualidade que já são reconhecidos do calçado português”.
As vendas acontecem maioritariamente online, mas a marca tem também um espaço em Lisboa, na LX Factory e vende em 130 pontos multimarca por todo o mundo.
A dar que falar internacionalmente está a Marita Moreno, que acaba de ser reconhecida na Austrália, com o prémio FOMA – Symbol of Hrmony Award. A marca, em nome próprio, chegou ao mercado há dez anos com uma missão: ser 100% sustentável. Os sapatos são produzidos com materiais naturais, sem nenhuma componente animal na produção das peças - como algodão orgânico, cortiça certificada, burel e borracha para as solas. Além disto, a marca tem procurado utilizar os desperdícios da indústria, criando assim a linha upcycling, feita a partir de sobras de materiais numa abordagem de economia circular .
Além da Marita Moreno, mais duas marcas nacionais foram premiadas em Sidney – a 7 Hills e a Elementum – insígnias especializadas na produção de calçado sustentável, através de “uma abordagem da moda centrada na harmonia entre conforto, qualidade e preocupação ambiental”.
Mas há muito mais a acontecer no mercado. A empresa Lucília, Vieira & Lima lançou há quatro anos a Ultra Shoes. “A produção de artigos sustentáveis representa já 15% de tudo o que produzimos”, afirma Pedro Lima. O responsável pela Ultra Shoes admite que há sapatos “que já são mais de 90% reciclados”. A marca começou pelos sapatos biodegradáveis, depois pelo upcycling e “logo a seguir iniciámos o vegan que, das três áreas, é a que tem um peso maior”. Atualmente, o mercado alemão representa 70% das vendas.