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VEJA anuncia produção em Portugal: abrimos a porta ao nearshoring?

VEJA anuncia produção em Portugal: abrimos a porta ao nearshoring?

22 Mar, 2024

Novas abordagens ao nearshoring?


A insígnia internacional VEJA acaba de anunciar o início da produção em Portugal. Ainda que, para já, a produção esteja apenas circunscrita ao modelo V-90, o objetivo é claro: encontrar produção na Europa para servir os consumidores europeus. Numa altura em que tanto se fala das diferentes áreas da sustentabilidade, estamos perante um novo olhar sobre o nearshoring?

O artigo da Vogue Business dá o mote perfeito para esta reflexão: “Fabricado na Europa, vendido na Europa: como a VEJA desenvolveu uma estratégia de nearshoring”.

Mas comecemos pelo início da história: os dois amigos de infância Sébastien Kopp e François-Ghislain Morillion criaram a VEJA há 20 anos. Ainda que a marca tenha a sua sede em França, uma viagem ao Brasil marcou o início de uma ligação profunda com o país. Sébastien e François conheceram os produtores de algodão orgânico e seringueiros selvagens e decidiram estabelecer a totalidade na produção no Brasil.

Agora, duas décadas depois, foi criada uma linha de abastecimento europeia. A responsabilidade ficou a cargo da empresa portuguesa Samba. Esta mudança permite que os clientes europeus adquiram as cores exclusivas do modelo V-90 – o mais vendido da marca - produzido em território europeu. “A criação de uma cadeia de fornecimento europeia, especificamente para responder ao mercado europeu, marca a primeira vez que os produtos VEJA são fabricados fora do Brasil”, explica o artigo da Vogue Business. Em declarações ao meio de comunicação, o co-fundador da marca, Sébastien Kopp, explica que “entre 2015 e hoje, atingimos um ponto de saturação nas fábricas do Brasil. Também estamos a crescer continuamente, por isso foi natural procurar um novo centro de produção, [e] rapidamente tivemos a ideia de 'feito na Europa, vendido na Europa', ou seja, produzir pares na Europa e vendê-los apenas na Europa".

Para a VEJA, a ideia de fabricar em Portugal (lançada pela primeira vez em 2020) surgiu rapidamente, mas o processo para a concretizar foi “muito longo”, observa Kopp. A língua partilhada com o Brasil e a sua localização geográfica fizeram de Portugal uma escolha natural, assim como a experiência centenária do país na produção de calçado. Embora a mudança para Portugal seja extremamente significativa, é um passo muito refletido pelos fundadores. A VEJA produz aproximadamente quatro milhões de pares de calçado anualmente. Desde que a produção começou em Portugal, em janeiro de 2023, a empresa fornecedora, a Samba, já produziu cerca de 80 mil pares.

A VEJA também está agora a adquirir materiais da Europa, incluindo couro com certificação ouro do Leather Working Group (LWG) de Portugal e Itália (e potencialmente de Espanha no futuro).

Ao contrário do que acontece com a cadeia de abastecimento sul-americana, que a VEJA conhece ao detalhe, a cadeia de abastecimento de couro português ainda é um trabalho “em progresso”. Os fundadores estão a trabalhar no mapeamento total do couro. “Como consequência, a marca está a apoiar-se mais no factor de certificação, abrindo a marca a múltiplas incógnitas, particularmente ao nível pré-curtume que cobre questões-chave como o bem-estar e a desflorestação. A nossa equipa de sourcing está a trabalhar com o Leather Working Group para garantir a rastreabilidade completa de toda a cadeia de abastecimento”, avança Kopp. “Estamos também a trabalhar com fornecedores portugueses para desenvolver novos materiais que possam ser adquiridos e utilizados internamente para diminuir a dependência de materiais importados do Brasil”.

Entre os benefícios de uma cadeia de abastecimento local estão a produção ágil, a redução dos custos de transporte e a redução do tempo de colocação no mercado. A marca afirma que alguns materiais – como a borracha amazônica e o algodão orgânico – não podem ser (ainda) substituídos e vão ser entregues por navio.

A marca ainda não estabeleceu o impacto concreto de um produto fabricado localmente, e que depende fortemente de materiais importados, mas planeia calcular o impacto do dióxido de carbono.

Nearshoring
O projecto da VEJA reflete medidas para diversificar as cadeias de abastecimento através de nearshoring. (O termo nearshoring resulta da junção das palavras nearshore e outsourcing, que juntas significam a contratação de uma equipa/fábrica/centro de produção que seja geograficamente próxima da sede da empresa). Neste caso, em particular, a marca decidiu encontrar uma unidade de produção mais próxima dos clientes.

Ao que tudo indica, a VEJA não é caso único na indústria da moda. A Nordstrom transferiu o volume de produção de marca própria para a Guatemala, a Benetton transferiu uma percentagem da sua produção da China para a Turquia, Sérvia e Egito, e a Mango colocou mais peso na cadeia de abastecimento de proximidade, principalmente na Turquia e em Marrocos. Também a Asos e a Boohoo estão a diversificar a cadeira de abastecimento (para a Turquia, Marrocos e mesmo Reino Unido) para evitar os constrangimentos no Mar Vermelho.

Mas estamos perante uma tendência ou apenas um fenómeno temporário? De janeiro a novembro do ano passado foram importados na Europa 3.043 milhões de pares. Destes, 1.308 milhões foram importados da própria Europa, um aumento de 3,8% (o equivalente a 115 milhões de pares) da quota da Europa nas importações de calçado.

Segundo avança a consultora McKinsey, quase dois terços dos executivos da indústria moda estão a considerar a criação de novos centros de produção dedicados a servir a procura dos EUA e da Europa.
No topo da lista de benefícios do nearshoring está a redução de riscos ao trabalhar com determinados países. Por exemplo, algumas marcas procuraram reduzir a dependência da produção chinesa após o impacto dos confinamentos da Covid, do abrandamento da cadeia de abastecimento e das preocupações com o algodão de Xinjiang. Para a VEJA, a China – e mais amplamente a Ásia – nunca esteve nos planos, apesar dos custos mais elevados das fábricas na Europa.

Mas a Europa não está necessariamente isenta de riscos. “Se fizermos uma avaliação de risco pelo valor nominal, o que a maioria das empresas faz é olhar para o país e ver se existe negociação coletiva, direitos dos trabalhadores muito fortes, sindicatos muito fortes, e dizer que o risco é baixo”, afirma Luke Smitham, gerente da consultora de gestão Kumi. “As decisões devem ser baseadas no contexto e não no país”. “E devem ter em conta fatores específicos, como quem dirige a fábrica, qual é o perfil da força de trabalho, como é que os regulamentos locais são aplicados e quão rastreável é a cadeia de abastecimento. A indústria portuguesa de calçado apresenta muitos indicadores de um ambiente de produção de baixo risco”. O consultor acrescenta “a multiplicidade de fábricas familiares e de propriedade local vem com uma compreensão enraizada da cultura”.

Oportunidades para Portugal
Neste quadro competitivo, as oportunidades para Portugal e, em especial, para a indústria de calçado são inúmeras. Importa agarrá-las. Em primeiro lugar, Portugal beneficia do funcionamento numa lógica de cluster. Para Paulo Ribeiro “um dos principais argumentos competitivos da indústria reside precisamente no facto de existir, num raio de 50 quilómetros quadrados da cidade do Porto, uma oferta variada de todo o tipo de componentes e de serviços à disposição das empresas de calçado”.  Para o vice-Presidente da APICCAPS “Portugal apresenta na indústria de calçado soluções muito interessantes ao nível de praticamente todos os componentes e mesmo de curtumes”.

“Numa altura em que tanto se fala de produção de proximidade, a indústria portuguesa é uma das mais qualificadas do mundo, que se soube reinventar, evoluir técnica e tecnologicamente, e por isso está no radar das grandes marcas internacionais da especialidade”. Em simultâneo, recorda Paulo Ribeiro, “o setor tem em curso planos de investimento ambiciosos, que vão transformar Portugal numa das grandes referências internacionais no desenvolvimento de soluções sustentáveis”. “Não é razoável que a Ásia assegure praticamente 90% da produção mundial de calçado”, sublinhou o vice-presidente da APICCAPS. 

Acresce, na ótica de Paulo Ribeiro, que os fortes investimentos que o setor de componentes para calçado tem vindo a implementar, nomeadamente nos domínios da digitalização e sustentabilidade, colocam “o cluster português de calçado na linha de frente e capaz de responder a novos desafios que o mercado vai requerendo no plano internacional”.

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